Quebrada Instrumental leva jazz para a zona leste de São Paulo

Everton Pires 

Em uma tarde de domingo, cerca de 100 pessoas se aglomeravam em frente à fachada da Casa de Cultura do Parque Raul Seixas para escutar o som improvisado da banda Quebrada Instrumental. 

Todos os meses, o grupo se apresenta ao lado de artistas convidados, ao menos um  domingo por mês, em Itaquera, na zona leste de São Paulo.

Formado em 2016, o quarteto busca levar o jazz para a quebrada. O estilo escutado e tocado muitas vezes nas áreas mais ricas da cidade, faz o caminho inverso, sendo resgatado para o lugar de origem, a periferia. O estilo tem raízes na música negra nos Estados Unidos.

“É uma batalha, porque ainda não é um estilo de música digerível [para todos]. É mais aberto, somos mais livres, a gente solta essas coisas na hora e acaba saindo umas coisas meio maluconas, mas faz parte do estilo”, comenta o baterista Washington Ferreira, o Wopper Black. 

Músico há 16 anos, ele começou a carreira no festival Reggae na Rua, realizado na Cohab II. Hoje é formado em conservatório, dá aulas de bateria e percussão, e atua na banda de Rap Engrenagem Urbana.

Wopper Black, Call Gomes, Kiko de Souza e Nicolas Carneiro (Everton Pires/Agência Mural/Folhapress)

O lugar escolhido pelo grupo foi o Parque Raul Seixas, recinto de inúmeras atividades culturais gratuitas para a população. “Chegamos com a ideia de ser Parque Instrumental. O antigo coordenador do parque disse: ‘pô, legal, só que é ruim o nome. Eu acho melhor Quebrada Instrumental’”, conta o tecladista Francisco de Souza, o Kiko.

Ele atua como professor de música no Projeto Guri dentro da Casa de Detenção de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. Além disso, é produtor musical. Também já participou de turnês com Rincon Sapiência, Tássia Reis e Kamau. 

Ele compartilha a percepção da dificuldade de levar uma experiência sonora diferente para a periferia, onde vivem. “O público em geral já é acostumado com uma coisa mais quadradinha. Quando ouve umas coisas quebradas, malucas, a pessoa pensa: ‘espera aí, alguém tá errado”, diz o baixista Call Gomes.

O desafio é maior ainda com o público jovem. “Você vai falar com um moleque de 15 anos, ‘vamos tocar guitarra?’ ele vai me responder ‘eu quero comprar uma moto. Tocar guitarra vai me dar uma moto?’”, reflete o guitarrista Nicolas Carneiro.”Mas a música é mais do que isso”.

Com o tempo, contudo, conquistaram um público fiel no parque. Contam que geralmente pessoas mais velhas se identificam mais.

Grupo fez parcerias com outros artistas como Kamau (Everton Pires/Agência Mural/Folhapress)

PRIMEIRO QUEBRADA

Assim como aconteceu com o jazz americano, a música periférica brasileira também é alvo da indústria cultural e da apropriação.

No funk, por exemplo, “os que ganham dinheiro realmente são brancos. Você conta no dedo quem é preto”, analisa Call. Independente da apropriação, “as nossas referências sempre estiveram aqui”, completa.

Para a banda, ainda há preconceito em relação ao som da quebrada, pelo simples motivo de ser periférico. “O problema do funk não é a música, é o preconceito com a periferia. James Brown cantava Sex Machine e tá tudo suave”, argumenta Carneiro.

 

Para o guitarrista, ser músico na periferia é resistência. Além de fazer o som, tem as dificuldades para se manter e pagar as contas. “É viver com uma faca no meio da guerra”, onde ganha quem tem fuzil.

Como os colegas de banda, ele ressalta: “eu sou primeiro da quebrada, depois sou músico”.

A Quebrada Instrumental já fez parceria com artistas como o grupo de Rap A`s Trinca, da Cidade Tiradentes. Também já se apresentaram com Max B.O, D`Oliveira, Thalia Abdon e Jazz na Kombi. No dia da reportagem, Kamau foi o convidado para o show no Parque Raul Seixas. 

Para o futuro, o foco é continuar saboreando os ares da liberdade musical. “Pensamos em produzir música, produzimos recentemente com A`s Trinca. Precisamos de um fechamento para o ano que vem”, diz Kiko.

Everton Pires é correspondente de Itaquera