Jornalismo precisa tratar da vida real quando falar de coronavírus nas periferias
Paulo Talarico
Qual foi a última informação sobre coronavírus que você ouviu sobre seu bairro? Provavelmente foi sobre a suposta confirmação de um novo caso perto de onde você vive. Mas o quanto isso impacta no seu dia a dia e o quanto ajuda realmente a se precaver da doença?
Nos últimos dias, a propagação do coronavírus trouxe à tona a importância de cuidados em todo o mundo, mas traz desafios extras para quem está nas periferias do Brasil. E também desafia o jornalismo.
Ainda sem respostas claras sobre quais serão os raios de ação para pessoas em situação de pobreza, temos sido mergulhados ou por orientações muitas vezes impossíveis de aplicar em uma favela da borda das cidades, ou mesmo com histórias de contágio que mais assustam do que ajudam.
Em grupos de WhatsApp e outras redes sociais, não faltam posts dizendo que o próximo caso foi confirmado, como se fosse uma corrida. Em geral, isso mais estimula o pânico do que os cuidados possíveis para reduzir a velocidade de contágio. Boa parte desses rumores foi desmentido na sequência.
Outras falas parecem distantes da vida real periférica. É como quando falamos nos 2 metros de distância de pessoas idosas, pessoas muitas vezes dependentes dos cuidados de filhos ou vizinhos, em famílias que não têm condição de pagar por cuidadores.
Ou mesmo o home office em regiões onde a internet mais rápida não chega, mesmo se você tiver recursos para pagar.
Uma das orientações médicas enfatiza a necessidade de evitar aglomerações. Difícil quando falamos para quem não tem opção além do transporte público e está diariamente às 18h na estação da Sé, Paulista ou Barra Funda voltando para casa. Mais de 8 milhões de pessoas circulam por dia pelos trens e metrôs de SP.
Também não há nada previsto para uma grande massa de pessoas das periferias que dependem do trabalho informal e que não poderiam sair de casa. “Dependo do transporte público para as entregas e não serão todas clientes que se sentirão seguras”, comentou uma artesã de Perus, na zona noroeste, e que entrega seus bordados de trem.
As atividades das pessoas com mais de 60 anos foram canceladas por precaução, mas e a série de trabalhadores nessa faixa etária que vendem cachorro-quente em Osasco e outros tantos que dependem desses serviços. Qual apoio será possível dar para lidar com situações como essa?
Evitar propagar o pânico, enfatizar as verdades sobre a doença e trazer contexto sobre as periferias é fundamental para cumprir nosso papel neste momento
Retratar isso reforça as necessidade de um jornalismo sobre as periferias, feito por por quem vive nessas regiões e que pode trazer exemplos que se aproximem das pessoas.
E se aproximar do público pode ser o único caminho para vencermos esse universo de desinformação que segue forte.
Frases como “alguém está ganhando com essa história”, “não acredito nessa doença”, “não se preocupe com vírus de laboratório”, ganham campo fácil em grupos de WhatsApp e por adoradores de teorias conspiratórias. Também estimulada por quem incentiva aglomerações.
As pessoas só se identificam com a situação quando as histórias se ligam com o que elas vivem, e as próximas semanas irão testar o quanto é possível fazer isso. Tanto para informar com precisão, quanto para evitar o estigma contra pacientes, o pânico e os cuidados para os moradores.
De todo modo, as dificuldades não são novidade para quem vive nas periferias do Brasil, os milhões que recebem menos atenção do poder público e sofrem com uma série de preconceitos por viver nesses bairros. Mas, neste momento, essas regiões precisam ainda mais de respostas claras.
Respostas que vão além do próximo caso confirmado.
Paulo Talarico é jornalista, cofundador e editor-chefe de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.
paulo@agenciamural.org.br