Como criamos um podcast para combater desinformação no WhatsApp
Anderson Meneses
Segunda-feira, 23 de março de 2020. Ao menos 15 mil pessoas tinham morrido até então em todo o mundo vítimas do novo coronavírus. Infelizmente, hoje esse número passa de 212 mil. O Brasil tinha o total de 1.891 casos confirmados, hoje o painel do Ministério da Saúde registra 66.896.
A maior discussão entre os países naquele dia era a possibilidade de adiar as Olimpíadas de Tóquio. Wuhan, berço do coronavírus na China, retomava suas atividades aos poucos e o Governo de São Paulo estava há um dia de determinar quarentena em todo o Estado.
Naquele dia, depois de sair de uma reunião de pauta com os jornalistas da Agência Mural, fiquei com uma pulga atrás da orelha. Já estávamos acompanhando a crise pelo mundo e sabíamos que precisávamos fortalecer nosso jornalismo para deixar as populações das periferias de São Paulo mais informadas.
Foi então que, depois de algumas conversas, decidimos desenhar uma ideia de podcast. Não queríamos ser mais uma roda de conversa, e precisávamos levar para o universo do áudio a diversidade que tanto falta na mídia.
Em algumas horas, começamos a mandar mensagens para os nossos correspondentes locais e conversamos sobre um assunto que já estava em pauta: a falta de água, item mais que essencial no combate a Covid-19, e também o sumiço do álcool gel das prateleiras.
Desde o começo tínhamos três objetivos bem claros: evidenciar as desigualdades e contar as histórias invisibilizadas das periferias; mostrar, ainda mais, a diversidade e potência das periferias em meio a este momento tão sensível e, por fim, impactar as pessoas exatamente onde elas passam o dia: no Whatsapp.
O áudio do zap, além de ser algo que já estamos acostumados a lidar em nossa rotina, também agrega aqueles que possuem baixo letramento digital. Segundo dados do IBGE, o Brasil tem 11,3 milhões de analfabetos, uma taxa de 6,8% de pessoas acima dos 15 anos que não sabem ler ou escrever.
O canal também nos ajuda a entrar na “guerra de informação”, pois sabemos que é o principal canal de distribuição de notícias falsas.
Nos inspiramos em outros veículos no mundo que têm adotado essa ferramenta, como o La Precisa, o podcast do El Surtidor (Paraguai).
Já com diversos áudios captados dos nossos repórteres e suas fontes em meu computador, além do monte de papel post it em cima da mesa, comecei a montar o roteiro do piloto junto com o codiretor da Agência Mural, Vagner de Alencar.
O formato do Whatsapp não saía das nossas mentes e montamos o programa pensando em ser um “zapcast”, um podcast curto e distribuído principalmente pelo aplicativo de mensagens. Uma ideia que já existia em nossos corredores desde maio de 2019, quando gravamos e editamos um piloto, mas que não foi para o ar.
VEJA OUTROS ARTIGOS DO BLOG:
Guerra de discursos entre governos pode fazer Covid-19 matar mais nas periferias
As periferias não podem se tornar isca fácil pela audiência de uma tragédia anunciada
Home office é desafio para quem faz jornalismo nas periferias
Para o Em Quarentena pensamos em um roteiro curto, direto e como se fosse uma conversa. Um áudio que fosse agradável de dar play. Gravamos em casa, usando dicas e técnicas que chamamos de gambiarra: com o celular embaixo do edredom, evitando assim o eco de casa (funciona!).
Editamos o material e definimos a estratégia de distribuição com a nossa equipe: focar em crescer uma base de leitoras e leitores cadastrados para receber o conteúdo pelo Whatsapp. Assim começamos a publicar o conteúdo, também disponibilizado em todas as plataformas de podcast (Spotify, Apple, Google e Deezer), e nas redes sociais (Youtube, IGTV e Facebook).
Minto se disser que foi uma surpresa a repercussão que o Em Quarentena teve, pois estávamos tão alinhados e trabalhando com tanto foco que a resposta foi natural. Sites de jornalismo, indicações em grupos de família, ouvintes respondendo quase que diariamente as nossas reportagens, e até entrevista para um podcast na França apareceu.
Para aprimorar ainda mais a ideia conversamos com quem já faz. O Guilherme Alpendre, diretor-executivo na Rádio Novelo e nosso mentor, em uma conversa por hangout nos disse a mesma coisa que as incríveis Beatriz Guimarães e Sarah Azoubel, do 37graus: “Vocês são loucos de fazer um podcast diário”.
O desafio de colocar um programa no ar, todos os dias da semana, mantendo a diversidade de assuntos e fontes é gigante, ainda mais sem sair de casa. Mas estamos conseguindo fazer tudo isso graças a nossa rede de correspondentes locais.
Já conversamos com mais de 100 moradoras e moradores das periferias de São Paulo e de outros estados também (como Bahia, Rio e Pará). Falamos sobre como as músicas estão ajudando no combate ao coronavírus ou como as mães de crianças com deficiência estão lidando com essa pandemia.
Hoje estou indo editar o programa de número 25, esperando que tudo isso passe logo.
A temporada do “Em Quarentena” termina junto com as medidas de restrição social e já estamos desenvolvendo o nosso próximo programa de áudio, que também será lançado assim que a quarentena acabar.
Anderson Meneses é codiretor e cofundador da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.
anderson@agenciamural.org.br