Em busca da equidade no jornalismo

Cíntia Gomes

Antes de entrar no jornalismo, a questão de gênero na imprensa não era algo que eu desse muita atenção. Há quase dez anos fazendo parte de uma rede de colaboradoras (es) que escreve sobre as periferias, foi algo que me fez ter um novo olhar. 

Somos um veículo de imprensa com 76 pessoas, sendo que 55% são mulheres e 45% homens. E esse dado reflete muito no que fazemos no dia a dia, muitas vezes  naturalmente, devido às pessoas que fazem parte terem consciência do seus direitos e da importância de reforçar sempre a igualdade de gênero, raça e território.

Esse é um desafio que ainda precisa avançar no Brasil.

A pesquisa “Mulheres no jornalismo brasileiro” de 2017, realizada pela agência Gênero e Número e Abraji (Agência Brasileira de Jornalismo Investigativo), abordou aspectos como a percepção de atitudes sexistas no trabalho e do impacto do gênero no exercício profissional.

Mais da metade (59%) das entrevistadas “presenciaram ou tomaram conhecimento de uma colega sendo assediada no exercício de sua profissão”. Na mesma pesquisa, 67% das entrevistadas citaram que o gênero aparece como um argumento para desqualificar o trabalho jornalístico.

“As minhas experiências negativas em relação a gênero no trabalho muito foram por homens em cargos de comando que não valorizavam as mulheres que ali trabalhavam.  É diferente quando se está em um lugar que as vozes são ouvidas e valorizadas igualmente”, conta Lara Deus, correspondente da Mural em Pirituba. 

Luanna Romão, correspondente do Butantã, complementa: “Já passei por locais de trabalho que tinham condutas voltadas apenas para homens, a oportunidade de crescimento para mulheres era quase inexistente.”

Reunião de correspondentes da Agência Mural (Cíntia Gomes/Agência Mural)

Como correspondente do Jardim Ângela, na periferia da zona sul de São Paulo, minhas reportagens estavam relacionadas às diversas situações cotidianas de nós, mulheres, e, sempre que possível, as entrevistas eram realizadas com uma mulher também. Mas até então era algo natural. Não pensava ser essencial. 

Depois como editora e há dois anos como uma gestora de uma equipe que busca desconstruir os estereótipos sobre as periferias, colocar em prática a equidade em tudo que fazemos tornou-se primordial.

A repórter Ana Beatriz Felício, correspondente de Carapicuíba, comenta que nas reportagens que ela faz sempre busca entrevistar mulheres. 

“A pauta e a pré-apuração já são pensadas de uma forma mais diversa. Uma coisa é você sugerir a pauta para seus editores que são todos homens brancos, que às vezes nem vão entender o que você diz, porque a história está fora da realidade deles”, diz. “Outra é você sugerir e debater com o grupo muito diverso. As pautas já nascem plurais”, explica.

Por meio desta rede nasceu também um coletivo de comunicadoras para falar das mulheres que moram nas periferias (o Nós, Mulheres das Periferias). Fui uma das cofundadoras e, além de um veículo que produz notícias e conta histórias dessas mulheres, era também um espaço de troca e aprendizados dos desafios de ser mulher e periférica no jornalismo e na sociedade. 

DIVERSIDADE

Desde 2010, período em que estou na Mural, recebi diversos convites para participar de eventos, como encontros e congressos de jornalismo. Nesses espaços, era comum ser a única mulher na roda. Conseguimos garantir isso, porque temos uma equipe diversa.

Em uma conversa com Lucas Veloso, que está desde 2014 na Mural, a agência é um lugar em que ele percebe a presença de mais negros e mulheres.

“Nos lugares em que trabalhei, mesmo nos estágios, essa diversidade pouco ou nada acontecia. Vejo isso também nos eventos que a gente participa representando a Mural. Geralmente, os ‘fora da bolha’ somos nós”, diz o correspondente de Guaianases, na zona leste.

No decorrer dos anos em que fomos nos formalizando e crescendo como um veículo de imprensa isso passou a fazer parte do dia a dia. Desde pensar em cargos e salários até termos que usamos para escrever um email.

Tentamos  fazer diferente sim: em prol da diversidade e na busca da equidade. Depende de nós não calarmos e não aceitarmos simplesmente o que existe em todo lugar. 

Nossa equipe de gestão nasceu equilibrada com quatro mulheres e três homens. Hoje, após mudanças no organograma, somos duas mulheres, mas a visão e a busca pela paridade não se reduziu. Nas discussões, todas e todos têm o mesmo espaço para falar e decidir. Na gestão, até brincamos: como somos duas (contra três), o voto de cada uma de nós vale por dois. 

Porém ao olharmos para nossa equipe fixa, ela é composta por sete homens e quatro mulheres, e me faz sempre pensar que isso é um fator que terá de ser levado em consideração para próximas seleções. 

Principalmente porque não representa a maioria delas que faz parte da nossa rede de correspondentes locais. E, infelizmente, sabemos que é justamente neste caminho da progressão profissional que a equidade vai perdendo força –o comum por aí afora.

Ana Beatriz Felício em entrevista sobre jornalismo e gênero nas periferias (Cíntia Gomes/Agência Mural)

Porém, ter uma equipe majoritariamente feminina não significa que estamos isentas de alguma situação constrangedora ou que é um ambiente confortável para se estar. Por isso, desenvolver um ambiente em que a igualdade é a regra não deve ser uma preocupação apenas das mulheres, mas dos homens também. 

“Em locais por onde já passei eu escutava falas como “lava minha marmita, já tá aí” ou ‘se arrumou para encontrar com quem?'”, relembra Jariza Rugiano, correspondente de São Bernardo do Campo, sobre comentários machistas que já vivenciou.

“Quando tem algum comentário machista mesmo que no tom de ‘zoeira’, logo respondo a altura, mas eu esqueço que posso perder o emprego por isso”, ressalta

Raquel Porto é correspondente da Cidade Líder na Agência Mural desde 2018. “E é uma das causas que eu defendo. Que todos que exercem as mesmas funções recebam o mesmo salário e condições de trabalho. Que as mulheres não sejam sobrecarregadas de funções que podem e devem ser divididas com os homens.”

Meu exercício cotidiano passa por reavivar diariamente as perguntas que garantem a diversidade e a equidade no trabalho que faço, seja desde as fontes que ouço, sobre como são distribuídos os convites e as oportunidades, e se as discussões incluem todas e todos, em suas mais diferentes cores.

Será que faço isso mais porque sou mulher? Os homens também fazem essas reflexões? 

Cíntia Gomes é jornalista, cofundadora e editora de comunicação institucional da Agência Mural de Jornalismo das Periferias. 

cintia@agenciamural.org.br

 

 

 

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