Fundos emergenciais ajudam jornalismo na crise da Covid-19. Mas, e depois?

Anderson Meneses

No momento em que a informação é a maior aliada para o combate de uma pandemia, redações estão sendo fechadas por todo mundo. 

Antes mesmo da chegada da Covid-19, as demissões em massa, fechamento de sucursais e até desmonte de veículos inteiros já eram comuns. As redações já estavam falindo e os desertos de notícias pelo Brasil se tornando cada vez mais comuns. 

Em contrapartida, a importância do jornalismo de qualidade tem sido vista cada dia mais. A audiência de notícias está crescendo, a Agência Mural, por exemplo, triplicou os acessos ao site, comparando com o mesmo período do ano passado. Já a Folha atingiu recorde de audiência desde o início da cobertura sobre o novo coronavírus. 

Infelizmente, a renda de muitas organizações de mídias está fazendo a curva ao contrário e caindo, ou melhor, despencando. Isso por que a grande fatia de recursos de uma redação vem da publicidade.

“Quando a economia é preocupante, a primeira coisa a ser cortada é a publicidade”, disse Patricia Torres-Burd, diretora-gerente de serviços de mídia do Media Development Investment Fund.

Podcast Em Quarentena aborda situação das periferias durante medidas de isolamento (Anderson Meneses/Agência Mural/Folhapress)

E, claro, esse tipo de corte chega aos jornalistas. Com a Medida Provisória nº 936, de 1º de abril, muitas organizações começaram a reduzir as horas de trabalho e os salários dos jornalistas. Segundo a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), há registro de cortes de até 70% na remuneração dos profissionais.

O Facebook prometeu US$ 100 milhões (R$ 515,8 milhões) em financiamento e publicidade para apoiar veículos jornalísticos nos Estados Unidos. Para toda a América latina foram destinados apenas US$ 2 milhões

O Google também criou um fundo para o jornalismo local. De acordo com a empresa, “os valores irão de alguns milhares de dólares para redações pequenas a dezenas de milhares para organizações de maior porte”.

Outros editais e chamadas públicas também foram abertos. Só na Mural, nos inscrevemos para quatro diferentes.

Mas a pergunta que fica é: será que esses recursos não chegaram tarde demais? Onde esse dinheiro todo para ajudar a independência editorial dos veículos estava quando cobríamos as desigualdades sobre as periferias desde 2010? 

Foi preciso uma pandemia para a gente prestar atenção na importância de informação de qualidade e de confiança? Foi necessária uma crise global para a gente entender que as  fake news precisam ser combatidas diariamente? 

Em todos os eventos do setor, reuniões de bastidores, e até na mesa de bar com amigos, falar sobre o modelo de sustentabilidade de um negócio baseado em jornalismo é sempre comum e normalmente saímos com mais dúvidas do que ideias de revolução. 

Criar produtos segmentados para cada leitor, cobrar assinaturas de newsletters exclusivas, fazer eventos (agora online, claro) e até criar conteúdo para marcas são algumas alternativas. Mas será que o financiamento para o jornalismo independente não precisa ser uma política constante?

Esses fundos emergenciais vêm e são importantíssimos para que possamos continuar cobrindo o que ninguém pode ou quer cobrir; e depois? Mandamos os jornalistas para casa? 

Não podemos. Quando esse dinheiro acabar, teremos ainda mais desigualdades para evidenciar. A crise econômica com que vivemos ao longo dos últimos tende a se agravar ainda mais. Os impactos nas periferias tendem a ser ainda mais delicados. 

E ainda temos um outro desafio: o de convivermos também com a desigualdade de informação.

Precisamos urgentemente olhar para o jornalismo como um aliado e colocá-lo em seu lugar de respeito na busca incansável por uma democracia para todos.

Anderson Meneses é codiretor e cofundador da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.
anderson@agenciamural.org.br