Como criar conexões contribui para a formação de jornalistas locais
Cíntia Gomes
Um dos desafios para quem cobre as periferias de São Paulo é se aprimorar. E é em rede que boa parte dos veículos que atuam nas bordas da capital e em outros cantos do Brasil têm feito para se manterem atualizados e vencer as barreiras para garantir o jornalismo local.
A Agência Mural surgiu a partir de uma oficina de jornalismo cidadão com jovens em sua maioria estudantes de jornalismo em busca de formação sobre cobertura local.
Foi o pontapé para a conexão de uma rede que acreditava na necessidade de trazer um outro olhar sobre as periferias da cidade de São Paulo, principalmente dos bairros em que moram.
Assim nasceu este blog (noticioso até final de 2019) e diversos projetos de formação como Mural nas Escolas e Mural nas Universidades.
O que originou o que somos hoje: um veículo que cobre as periferias da Grande São Paulo, mas também o papel de colaborar na formação de novos jornalistas – os correspondentes locais.
O termo formação continuada é muito usado na área da educação para atualização dos professores, educadores e todo corpo docente. Porém no jornalismo por mais que não seja um termo usual, temos algo similar que é a realização periódica de encontros, congressos, cursos e workshops.
Quando nos preocupamos na atualização dos jornalistas que cobrem as periferias, ao buscar bolsas e garantir a presença desses que estão à frente do jornalismo independente, a proposta é também mostrar que há um jornalismo diverso, que é importante estarmos não só como ouvintes, mas que podemos colaborar também com a nossa experiência, além dos rostos já conhecidos dos veículos tradicionais.
Já foram mais de 220 estudantes e profissionais de comunicação que passaram por esta rede. Muitos que passaram pela Mural estão em outros veículos e levam consigo esse olhar de contribuir para desconstruir os estereótipos existentes sobre as periferias.
O jornalista Leandro Machado, por exemplo, começou como correspondente de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, passou para editor na Agência Mural, repórter na Folha de S. Paulo e hoje está da BBC. No ano passado ele fez uma oficina para os muralistas contando sua experiência e dando dicas de pauta e apuração.
Nossos jornalistas são das periferias e em sua maioria as questões econômicas e as áreas que atuam pesam na hora de investir em cursos e especializações.
COLABORAÇÃO
A colaboração e a troca de saberes e habilidades são uma realidade presente e natural para aqueles que atuam no jornalismo independente.
Desde o início do trabalho, promovemos encontros mensais. Além de falar de pautas, realizamos também oficinas com convidados que trazem suas experiências para os muralistas.
Só no ano passado, a Mural contou com a contribuição de cinco profissionais que compartilharam suas experiências com a rede de correspondentes.
Falamos sobre jornalismo de dados com o jornalista Marcelo Soares, que trabalha com reportagens desde 1998 e neste ano tem sido fundamental na cobertura da Covid-19. Também reforçamos o uso da Lei de Acesso à Informação, ao receber Maria Vitória Ramos, diretora-executiva da Fiquem Sabendo, projeto especializado em buscar informações públicas.
Também tivemos os jornalistas Luciana Barcellos, editora geral do jornal Bora SP, e Leonardo Romano, editor de texto, da TV Band; e Adriana Garcia, Google Teaching Fellow que mostrou como usar ferramentas da empresa para produzir melhor os conteúdos.
Outra prática comum entre nós é a de compartilhar algo que aprendemos em algum curso que o outro não pode participar. O que nos possibilita estarmos antenados, presentes e articulados nos principais encontros da área jornalística.
Priscila Pacheco, que já foi correspondente do Grajaú e editora na Mural, participou de um workshop oferecido pela Fundação Gabo e pela Solutions Journalism Network (SJN) em Cartagena na Colômbia. No ano passado ela fez a mesma oficina para a rede de muralistas.
Outro exemplo recente é de alguns correspondentes que dividiram com os demais alguns materiais e dicas de um curso que estão fazendo sobre jornalismo na pandemia.
O correspondente do Capão Redondo, Cleberson Santos, comentou ter achado importante repassar essas informações por ser um conteúdo bem importante para o momento que estamos vivendo. “São dicas de como a gente lida com nossos traumas e nossa saúde mental durante a produção e o contato constante com notícias pesadas, e também sobre como lidar com os traumas das nossas fontes”, comenta.
Muitas vezes essa troca só não é concretizada porque os cursos são caros e os espaços restritos, para mesmos rostos — e até cores–, para o jornalismo convencional. E para o jornalista periférico penetrar nesses ambientes pode ser ainda mais difícil.
De certo modo temos pontes abertas, seja de possibilidades para acessos de formação em workshops no Facebook, Twitter e Google, como já tivemos alguns voltados para os muralistas e outros jornalistas que atuam na cobertura das periferias com o intuito de apresentar as ferramentas dessas instituições e melhor uso delas na nossa produção e divulgação de notícias.
Dezenas desses jornalistas das periferias só tiveram acesso a esse lugares e conteúdos pela primeira vez por meio dessas conexões. E isso só acontece porque quem compartilha seu conhecimento acredita na importância e impacto que se tem não só nos profissionais envolvidos, mas no fortalecimento de um jornalismo que quer mostrar outras perspectivas sobre as periferias.
Fazer essa troca de saberes, conhecimento e crescimento nas relações que um jornalista tem na sua carreira, seja com suas fontes, equipe de editores, repórteres e público, são algumas amostras de como uma rede de colaboração pode agregar.
Cíntia Gomes é jornalista, cofundadora e editora de comunicação institucional da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.