Em cem dias, perdemos 10 mil vizinhos e vizinhas na Grande São Paulo

Paulo Talarico

Leandro tinha 24 anos e morava no Grajaú, periferia da zona sul de São Paulo. Acometido pela Covid-19, não resistiu mesmo jovem. 

A família, abalada, segue preocupada. Desta vez, com o fato de que a vida está voltando ao normal, sem isolamento, mas com os casos da doença ainda aí fora. 

Esse sentimento não é de apenas uma pessoa, mas de milhares de famílias que perderam familiares ou tiveram pessoas internadas por causa da doença. 

Nesta quarta-feira (24), faz 100 dias que a primeira vítima da doença morreu na capital. De lá para cá, mais 10 mil vidas foram perdidas apenas na região metropolitana, segundo levantamento da Agência Mural.

Significa dizer que em todo o Brasil, de cada cinco mortes uma foi na Grande São Paulo. Significa que se a Grande São Paulo fosse sozinha um país estaria entre as dez com mais perdas, à frente de mais de cem nações. E significa acima de tudo o preço da desigualdade social que ainda é forte na região em tese mais rica do Brasil.

Muitas causas levaram a essa triste marca. Evidentemente que o vírus é perigoso e causou estragos em todo o mundo. Mas vivemos também dias difíceis por aqui, com complicações extras.

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As primeiras se apresentaram logo nos primeiros dias, sobretudo nas periferias. 

Como se isolar em casas pequenas e famílias numerosas? Como aguentar o isolamento? Como lidar com a falta de água em dias para lavar as mãos e se proteger? E como fazer esse isolamento se uma parte considerável das periferias seguiu com pessoas trabalhando dia a dia. Qual o tamanho da hipocrisia de pedir para quem anda de ônibus lotado para ficar isolado no fim de semana?

Soma-se a isso uma falta de clareza sobre as medidas tomadas. Apesar do esforço de milhares de profissionais de saúde, é fato que alguns gestores disseram que não era grave, outros vacilaram em decidir para valer o que deveria ser feito. Ou fizeram coisas da noite para o dia, como um megarrodízio, um feriado sem conversar com as cidades vizinhas e, até mesmo, reabrir a capital como se pudesse fechá-la das cidades ao redor. 

Não dá para calcular quantas vidas poderiam ter sido salvas se as coisas fossem diferentes. Mas infelizmente dá para saber que essa quantidade de perdas da nossa tragédia (os 10 mil vizinhos nessa Grande SP, os 13 mil do estado de São Paulo, e os 50 mil brasileiros), não vai parar por aí. 

Nesse momento, a gente já tem pensado em como mudar o discurso para todos que desistiram de ficar em casa. Hoje a gente pede apenas que você use a máscara da forma correta, tente limpar as mãos e proteja os seus. 

É o que dá para fazer enquanto outros Leandros por aí podem ser contagiados por essa grande doença que é a desigualdade no Brasil.

Paulo Talarico é cofundador e editor-chefe de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias
paulo@agenciamural.org.br

*Excepcionalmente publicamos a coluna desta semana na quarta-feira. Na próxima semana, retornamos a programação normal na terça-feira.