Jornalistas das periferias refletem sobre rotina e saúde mental durante a pandemia

Cíntia Gomes

Correspondente do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, Gisele Alexandre conta que sempre foi uma “ansiosa consciente” e que faz muitas coisas ao mesmo tempo. Esse jeito de ser fez com que pensasse que o trabalho durante a pandemia do novo coronavírus não seria um problema.

“Antes, eu tinha uma rotina organizada e dava muito certo. Meu primeiro pensamento foi de que seria tranquilo, pois manteria meus horários, só que agora de casa”.

Mas estava enganada. Em uma semana de quarentena percebeu que nada seria como antes. E como se não bastasse mesmo assim ela criou um novo projeto jornalístico, um podcast chamado Manda notícias.

“Sinto que levando informação para as pessoas, especialmente aquelas que moram nas periferias e favelas onde as notícias que chegam muitas vezes são violentas ou falsas, eu consigo manter minha missão de lutar pelo direito à informação mesmo estando dentro de casa”, conta. 

Os desafios enfrentados por Gisele têm sido comuns para vários comunicadores das periferias nesses dias. 

Que não está fácil para ninguém isso todos já sabem, mas como tem sido a rotina de um profissional que informa e passa praticamente o tempo todo lidando com as notícias nas periferias em meio a pandemia? 

Para quem já atuava com home office talvez pensasse que seria “normal”, pois já estava habituado a lidar com o desafio de trabalhar em casa. Eu sou uma dessas. 

Mas, na verdade, tem sido um período em que se faz muito mais, as horas passam e você já está há mais de 12 horas imersa no computador. Por um lado é bom que você se ocupa, mas por outro você precisa se monitorar para não fazer só isso.

Não se pode dizer que os dias eram tranquilos, que havia uma rotina certinha de horários e tarefas, pois todos os dias surgia algum desafio, um projeto, novas parcerias, orçamentos, eventos e histórias das periferias para se contar.

Fazer a cobertura da periferia tem sido diferente nesses dias pandemia, relatam jornalistas (Cíntia Gomes/Agência Mural)

O vírus mudou o cotidiano em todo o mundo, e nos cabe ser o porta-voz disso tudo. A produção de notícias sobre histórias de pessoas afetadas, o distanciamento das pessoas que amamos e o cuidado constante de se manter bem, tomou conta de nossas vidas da noite para o dia.

É acordar cedo para reunião online, convites constantes para participação de lives, apurar uma informação que chegou, verificar se é fake news uma mensagem enviada no whatsapp, fazer entrevistas à distância, produzir reportagens, criar roteiro para podcast, reunião de pauta e inscrição em editais de apoio à veículos que fazem cobertura das periferias. 

Fora todas as outras atividades domésticas, educacionais e pessoais para incluir na agenda.

SAÚDE MENTAL

Quando esse período começou, até tivemos aquela ilusão de como usar esse tempo em casa: melhorar o inglês, fazer mais atividade física, assistir mais filmes, ler mais. Mas até agora nada disso foi possível. Mesmo sabendo que é essencial tanto cuidar da saúde física quanto da mental.

Já que tudo gira em um único assunto que mexe emocionalmente na vida de cada um e uma todos os dias desde a chegada do coronavírus no mundo. E agora cada vez mais presente nas periferias da cidade.

Videorreporter da Agência Mural e fotógrafo do Coletivo DiCampana, Léu Britto afirma que ao trabalhar em casa de início parecia um conforto de ter o sofá, a cama e a rede por perto onde mora, no Jardim São Luís, na zona sul. Mas lidar com a dinâmica da família e o ambiente e trabalho não foi simples.

“Fiz vários exercícios de ter horários e tentar cumprir seis ou oito de trabalho, mas não tem rolado da família entender que por mais que estou em casa, estou trabalhando. Além das vezes que preciso ir pra rua para gerar imagens, fica a preocupação de voltar pra casa sem vírus e em segurança”.

Além dos desafios, ele compartilha que tem também tirado alguns aprendizados como ter mais empatia, ouvir e ter mais respeito pelas pessoas e suas histórias, de caminhar um dia após o outro, não correr para fazer tudo em um só dia e ter paciência para não atropelar as coisas.

Para aliviar a pressão do isolamento, Gisele diz que procura se conectar com o filho em coisas que gostam como assistir séries, fazer meditação e ler histórias infantis.

“Tenho me policiado em desconectar, principalmente após as 20h”, relata. “Como o trabalho não para nunca, nem aos fins de semana, eu tento me focar em uma coisa de cada vez e isso tem funcionado”. 

É consenso que precisamos fazer pausar, aceitar que tudo bem não fazer e nem dar conta de tudo. Temos que nos preocupar com o autocuidado. Se distanciar um pouco das notícias depois de um dia cheio em que você já leu e escreveu uma também.

Cíntia Gomes é jornalista, cofundadora e editora de comunicação institucional da Agência Mural de Jornalismo das Periferias. 

cintia@agenciamural.org.br

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