Como construir um jornalismo que crie identificação com as pessoas
Anderson Meneses
A pandemia chegou ao Brasil e todo o planejamento editorial pensado pela nossa redação para 2020 precisou dar lugar a urgência de informar sobre a crise do novo coronavírus. Com isso, assim como vimos em muitos outros veículos, a audiência da Agência Mural mais que duplicou de fevereiro para março, início da pandemia no país. Foi um aumento de 106% em novas visualizações de páginas.
Maio, até agora, foi o mês que mais pessoas visitaram nosso veículo. E se comparar com o mesmo mês do ano passado, o aumento foi de mais de 960%. Em julho este número caiu um pouco, mas comparado com 2019, houve 820% a mais em novas visualizações de páginas.
Uma avalanche gigantesca de milhares de novos leitores em busca de notícias confiáveis e, principalmente, um ombro amigo para lhe a ajudar a passar por este momento tão difícil.
E na Mural, sabemos que ser este ombro amigo é conhecer e evidenciar todas as desigualdades da nossa sociedade e mais do que isso, é ter empatia pelos nossos.
Essas histórias estão perto demais. É a minha mãe, meu pai e minhas irmãs que diariamente precisam abrir uma lanchonete na periferia de Pirituba para poder ter dinheiro em casa. Sempre foi este estabelecimento que criou condições para a nossa família e também para que eu pudesse finalizar uma universidade.
E a pandemia balançou todas as estruturas desses trabalhadores, inclusive pelas dificuldades para conseguir apoio e a falta de respostas de um governo que olhasse mais para as periferias – o que fez muitos perderem a esperança.
Aprendemos, na prática do jornalismo diário e pé no chão que as trabalhadoras e trabalhadores informais, por exemplo, precisam receber o auxílio emergencial de maneira rápida, pois sua renda foi comprometida e mesmo com os R$ 600 ainda não conseguem pagar as contas e por comida na mesa.
Oferecer caminhos para facilitar o recebimento do auxílio por quem mais precisa, fazer um calendário de fácil entendimento e acessível é só o começo.
Ajudar as pessoas a chegarem até este recurso sem que se exponham a Covid-19, evidenciar que o aplicativo ficava fora do ar por dias e por conta disso milhares de pessoas não conseguiram realizar o cadastro no aplicativo da Caixa, assim como o meu sobrinho que me chamou diversas vezes pelo Whatsapp para pedir ajuda com o cadastro.
Mais do que mostrar os direitos estabelecidos em nossa Constituição, precisamos evidenciar as problemáticas, as desigualdades envolvidas e não deixar ninguém para trás. Ao longo desses meses tentamos fazer isso de várias formas.
Fiscalizando uma má administração pública que decidiu abrir o comércio de um lado de uma avenida e de um outro não, na região metropolitana. Evidenciando as brigas entres os governos e as prefeituras que não levem todos os cidadãos em consideração. E quando lembramos que também estamos em um ano de eleição.
Queremos encontrar um lugar em que conseguimos ser capazes de informar e responder às necessidades que atravessam o dia a dia das pessoas e além disso chamar atenção para as questões ao nosso redor.
E isso atravessa o nosso trabalho em todos os níveis.
Desde o momento em que vamos conversar com os moradores para uma entrevista e explicamos o nosso processo de apuração, o que é um podcast ou como fazemos um vídeo ir para o Youtube. Passando pelo olhar atento para todas as mensagens com dúvidas que chegam no nosso Whatsapp e ativar a nossa rede de correspondentes para encontrar a melhor resposta para aquela questão.
Nossa social media, Ingrid Fernandes, que passa o dia inteiro respondendo o nosso zap resumiu bem o lugar que a gente tenta ocupar neste momento: “Um jornalismo comprometido com a vida humana”, apenas.
Anderson Meneses é codiretor e cofundador da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.
anderson@agenciamural.org.br