Por que as periferias não aceitam mais serem chamadas de ‘bunkers de bandidos’
Paulo Talarico
Uma notícia na semana passada causou grande repercussão nas redes sociais, talvez até mais do que o fato em si. Um canal de TV trouxe uma reportagem sobre o Complexo da Maré e a versão no site denominou toda a região de ‘bunker de bandidos’.
A reação foi imediata de moradores e comunicadores das periferias do Rio de Janeiro, mas também de outras partes do Brasil. Todos questionaram mais um reforço do preconceito aplicado a todo um bairro que, evidentemente, não pode ser reduzido a um local que sofre com criminalidade.
Logo depois da publicação, a hashtag #MareBunkerdePotencia começou a ser replicada por moradores, jornalistas, organizações e ativistas que atuam nessa região periférica do Rio. A iniciativa partiu inicialmente do Instituto Marielle Franco, criado por familiares da vereadora, cria do bairro, assassinada em 2018.
Cada um dos que replicavam a mensagem trazia um exemplo do porquê a Maré é um bairro que merece ser conhecido, repleto de histórias importantes e que também buscou meios para sobreviver à pandemia de Covid-19.
A intensa reação nas redes sociais reforça um importante momento vivido pelas periferias com relação ao jornalismo. Não dá mais para aceitar ser rotulado.
No caso do Rio, trabalhos como o do Favela Em Pauta, o Fala Akari, o coletivo Papo Reto, Voz das Comunidades, o Maré Vive, o Fala Roça, o Data Labe, Voz das Comunidades, entre vários outros, atuam para mostrar que há outras histórias para serem contadas sobre as periferias.
Aqui em São Paulo não é diferente. A Agência Mural nasceu há quase dez anos com a missão de quebrar esses preconceitos e ajudar a cobrir a lacuna de informação sobre as periferias.
Outros vários veículos também tem uma atuação que parte do território e buscam outras vertentes como o Nós Mulheres das Periferias, Periferia em Movimento, Do lado de Cá, Preto Império, Alma Preta, entre tantos outros que talvez falhe aqui em citar.
Essa reação parte de jornalistas que vivem nessas regiões e que, por também serem moradores dessas comunidades, sabem que há muitos problemas, mas muitas potencialidades. Além disso, boa parte dos problemas é fruto das desigualdades, dribladas pela capacidade e criatividade de quem vive ali.
Cada vez mais o questionamento sobre esse tipo de estigma está visível. Não podemos reduzir as histórias das periferias a coitados e bandidos, como acontece quando se reforçam estereótipos como esse na Maré.
Acima de tudo, é um movimento que vem ganhando espaço e mostra para as redações a necessidade de uma imprensa mais diversa, mais negra, mais periférica, para ajudar a trazer uma pluralidade maior para o noticiário.
Por fim, é a ênfase de é preciso tratar dos bairros das periferias da mesma forma que toda a cidade, com os mesmos direitos e valores.
Se alguém tiver suspeitas sobre um residencial luxuoso, um bairro rico da capital, e que pessoas estejam se escondendo por ali, ninguém irá chamá-lo de bunker de bandidos. Na periferia deveria ser a mesma coisa.
Paulo Talarico é cofundador e editor-chefe de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias
paulo@agenciamural.org.br