Empresas devem ter mais responsabilidade ao buscar parcerias nas periferias
Anderson Meneses
Nos últimos dois anos, o meu cargo na página de equipe da Agência Mural é o de ‘Diretor de Negócios’. Na prática mesmo, quem empreende um negócio de jornalismo a partir da nossa realidade periférica é um realizador ou realizadora.
A minha agenda é bem complexa e vai desde reuniões com os repórteres para desenvolver uma pauta, passando por aprovação de pagamentos e de contratos. Chegando até aos encontros com chefes de redações de grandes veículos e diretores de comunicação de empresas.
Com o crescimento da desigualdade e a maior visibilidade que as periferias estão ganhando, por conta de uma pressão dos consumidores por mais diversidade e por outros movimentos, minha caixa de e-mail tem ficado cada vez mais cheia. São inúmeras mensagens de empresas, institutos, fundações e de outros veículos, com demandas diversas, de conversas e pedidos de orçamentos. Todos eles com uma palavra em comum: ‘parceria’.
Temos o orgulho de estampar em nossa página inicial um quadro bem grande com as logomarcas de todos aquelas empresas que são nossas parceiras. E estar neste lugar não está necessariamente ligado a investimento financeiro ou a entregas constante dos dois lados.
Ao longo desses quase 10 anos de história, foram muitos apertos de mãos que nos ajudaram a chegar até aqui. Para encontrar um lugar de sustentabilidade no jornalismo, atualmente, os nossos contratos são com um pensamento em nosso negócio.
Voltando para os e-mails, sempre tento responder com a maior atenção e cuidado. Normalmente levo o pedido para a gestão da Mural em uma reunião que acontece sempre às quartas-feiras de manhã. Em seguida, preparo uma apresentação explicando o que é a Mural, nossa missão no mundo, nossos números de audiência e, por fim, uma proposta de entregas e valores para aquele possível parceiro.
Criamos um ritual, mesmo sem planejar, que tenta deixar o processo todo claro, e com isso respondo as mensagens dentro dos prazos superapertados e urgentes do mercado de comunicação.
São várias horas fazendo reuniões, conversando com a equipe, discutindo com os gestores, produzindo a apresentação e escrevendo o e-mail de respostas com a proposta. Mas o momento que a ansiedade começa a bater mesmo é na hora de clicar no botão enviar.
Não porque estou inseguro por aquilo que fazemos há quase dez anos, mas pelo histórico de falta de respostas e, às vezes, certo descaso com o nosso trabalho.
Muitas agências de publicidade, empresas dos mais variados setores, fundações e organizações estão descobrindo que somos mais de 13,6 milhões de brasileiros, e que movimentamos R$ 119,8 bilhões, por ano, segundo dados dos institutos Data Favela e Locomotiva.
Só que estar junto com a gente vai muito mais do que comprar um banner no site ou realizar um projeto no qual entregaremos determinado número de acessos. Quando estamos interessados, movemos todos as energias necessárias para que aquilo aconteça, mesmo tendo equipes bem reduzidas.
Quando apostamos em trabalhar com o mercado de comunicação não sabíamos que um banco, por exemplo, iria pegar o projeto que criamos com tanto afeto e carinho (dentro da nossa casa) e iria transformá-lo em outra coisa completamente diferente, contratar outra agência para produzir e dispensar o nosso trabalho.
A gente não tinha ideia que uma fundação poderia dar sinais de desistência no meio do processo que envolveu muitos jornalistas e jovens. Ou que diversas empresas iriam ocupar o nosso tempo, com reuniões e trocas de e-mail e, no fim, tampouco dizer: “obrigado pela proposta”.
Para nós, ser realmente parceiro de alguém é criar uma relação de confiança onde todos os lados possam tirar proveito de uma maneira transparente, na qual possamos unir forças para atingir uma missão em comum.
Ser parceiro é poder contar com o outro sem medo e a qualquer momento, como nas ruas das nossas quebradas. Ser “parça” é estar junto na missão. É correr lado a lado. E um jamais será maior do que o outro, pois entendemos que cada um tem seu histórico de vida e aprendizado, e quando estamos juntos, usaremos o nosso melhor potencial.
É natural desse movimento que o orçamento não seja o adequado, que outras questões derrubem as ideias e que propostas morram no caminho. Mas o que eu queria mesmo é que esses profissionais, que dirigem as organizações, pudessem ter o mínimo de responsabilidade com os nossos e com as nossas periferias.
anderson@agenciamural.org.br