É preciso regar as sementes que já estão germinando nas periferias

Anderson Meneses

Com o desafio de estruturar a área de tecnologia da Agência Mural, repensar nosso site e plataformas de comunicação, nestas últimas semanas, fui atrás de projetos de tecnologia criados e pensados para e por moradores das periferias de São Paulo e também do Rio de Janeiro.

Foram algumas reuniões para apresentar nosso trabalho e conhecer como cada um está pensando o desenvolvimento e programação nas bordas das cidades.

Cada reunião foi um aprendizado que vou levar para a vida, pelos grandes exemplos do que a periferia tem de sobra: o poder de reinventar.

O Caius, da Back to Basics, uma agência de tecnologia e marketing digital do Itaim Paulista, em São Paulo, por exemplo, aproveitou a oportunidade das mídias sociais para desenvolver plataformas e planejar a comunicação de pequenos negócios na zona leste da capital.

Os amigos Pedro, de Carapicuíba, e Victor, do Jardim São Luis, se conheceram trabalhando em um instituto de tecnologia social. Hoje, eles comandam uma empresa de desenvolvimento de software, banco de dados e fazem até consultoria em TI. Por conta dos seus históricos de vida, todos os projetos são pensados de maneira acessível para pessoas com deficiência.

Assim como a Ariane, do Minas Programam, que junto com outras mulheres promove oportunidades de aprendizado sobre programação para meninas e mulheres, negras ou indígenas.

Ver essas ações mostra como os moradores longe dos grandes centros têm driblado adversidades. O ano de 2020 realmente não está sendo fácil, principalmente porque fomos obrigados a nos fechar em nossos mundos, o que contraria a nossa existência. Somos seres que precisamos viver em comunidades.

Mas quando você vai para a rua (agora de maneira virtual, nas chamadas online), dá uma espiada e conversa com quem realmente está fazendo acontecer, você consegue enxergar o movimento constante e criativo das periferias.

E é este o meu convite para quem realmente quer impactar e mudar esta desigualdade social que nos aflige todos os dias. A quebrada já está criando, produzindo, realizando, desenvolvendo, projetando e vivenciando tudo isso há um bom tempo. Os aliados são muito bem-vindos.

Precisamos fazer com que estas ideias possam se projetar ainda mais longe, fazendo com que cheguem em mais moradores e moradoras das nossas periferias.

Para que possa impulsionar ainda mais pessoas como o José Sales Neto, da Capadócia, uma comunidade dentro da Brasilândia, zona norte da capital paulista.

O jovem é um inventor de 48 anos que estuda educomunicação na USP e leva no coração e em seus projetos a Metareciclagem, uma nova forma de reciclar onde o mais importante não é o material (ouro, ferro, plástico etc.), mas a tecnologia contida no objeto tecnológico.

Essas e outras centenas de cabeças inventivas das periferias do Brasil, não apenas de tecnologia, mas de todas as áreas e que estampam a home da Agência Mural todos os dias, são as pessoas que realmente merecem mais oportunidades.

No início da pandemia aqui no Brasil e com o rápido crescimento do número de mortes, a mídia estava o dia todo se perguntando se a gente iria sobreviver. Hoje, com o vírus ainda circulando e com a quantidade de vidas perdidas, chegando perto de mil por dia, a sensação é que deixamos de existir novamente. 

Talvez, ganharemos mais um pouquinho de atenção este ano, pois alguns candidatos ainda devem ir experimentar nossos amados pastéis de feira na tentativa de ganhar votos nestas eleições. 

E este começo de corrida para os gabinetes da câmara e da prefeitura já nos mostra que a mudança não vai chegar de fora. A esperança que eu carrego é ver tantos moradores de quebrada fazendo a revolução acontecer de dentro. Pouco a pouco.

Anderson Meneses é codiretor e cofundador da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.
anderson@agenciamural.org.br