Esperança por vacina não pode atrapalhar a prevenção contra a Covid-19
Paulo Talarico
Em abril deste ano, temíamos que a guerra de discursos entre governadores, prefeitos e presidente atrapalhasse ainda mais o combate ao coronavírus nas periferias.
Seis meses depois e com o saldo de quase 160 mil mortes, não parece ter dado certo o jeito como lidamos com a pandemia. Pior, nem mesmo uma lição aprendemos.
Corta para outubro. O que temos neste mês é a disputa em torno de uma vacina que ainda não existe, não tem previsão, afinal está em testes.
Em vez de fortalecer os estudos que estão em andamento, de se unirem para pensar a forma como isso se dará caso um resultado positivo contra o coronavírus seja encontrado, voltamos a ter uma divisão.
Em vez de defender ou não o isolamento, o cúmulo é atacar a vacina do outro ou dizer que vai lançá-la no próximo mês, sem ter nenhuma condição de prever isso. Tem até candidato nas eleições 2020 dizendo que a vacinação é um dos itens do programa de governo.
E como isso chega nas periferias? Por um lado, o ataque ao medicamento pode afetar a confiança dos moradores na hora em que for possível reduzir o contágio pela vacinação.
Mas outro ponto importante tem perdido o foco: como se proteger hoje, sem vacina contra o vírus?
O fato de tanto se falar em vacina parece indicar que a cura está tão perto que é possível relaxar. Como relaxamos em geral com a situação da pandemia, com menos isolamento, cada vez mais falta de máscara nas ruas e, até, a expectativa de um carnaval.
Foram muitos meses de isolamento e, naturalmente, o cansaço de se isolar para se proteger da doença é grande. Mas não dá para baixar a guarda.
Inclusive, porque a crise vem sendo sentida cada vez mais pelas famílias pobres.
Durante a campanha eleitoral, não é incomum pessoas sem máscaras pelos bairros carregando bandeiras e entregando folhetos espalhados por feiras em cada região.
Antes disso, contudo, a pandemia já havia jogado famílias para ocupações ou para viver em favelas. A vulnerabilidade de quem não pode seguir pagando aluguel ou que sentem a falta de comida ainda marcam a capital.
O momento tem se tornado mais preocupante com a redução nas doações. Recentemente, por exemplo, fecharam por tempo indeterminado o Bom Prato de Paraisópolis.
Parece mesmo que alguns já chegaram no pós-pandemia. Mas ainda precisamos de muito para sair de 2020, e não dá para cravar que 2021 será diferente. Com ou sem vacina.
Paulo Talarico é cofundador e editor-chefe de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias
paulo@agenciamural.org.br