O desafio para o crescimento do jornalismo que nasce nas periferias
Anderson Meneses
Quando decidi almejar uma bolsa em uma vaga no curso de publicidade, eu sabia que comunicação estava em meu sangue, mas o destino me levou a conhecer um grupo de estudantes de jornalismo querendo mudar a realidade das periferias.
Realidade esta que, para além deste blog — onde tudo começou– virou a Agência Mural. Nesta aventura, de correspondente de Pirituba me tornei um dos diretores, embarcando no desafio de tocar o barco, de empreendedor no jornalismo.
Um lugar que não é destinado para um homem negro de origem periférica. Muito menos para um grupo de jovens periféricos que fundaram não apenas a Agência Mural, mas o Periferia Em Movimento, o Alma Preta, o Desenrola o Não Me Enrola, o Voz das Comunidades e tantas outras organizações e agências que agora também estão pautando as conversas sobre e nas periferias.
Estamos ocupando um espaço de uma maneira completamente disruptiva, dentro e fora das redações tradicionais. Criando soluções para contar as histórias, mostrar as desigualdades, reinventar o imaginário dos nossos territórios, distribuir e envolver os nossos leitores. E este conhecimento é tão precioso, que atualmente está sendo mais que procurado pelo capital de uma maneira pouco respeitosa.
Se de uma lado, festejamos cada impacto, cada sugestão de pauta ou retorno do leitor, no outro, essa prática de virar uma organização também é um dos maiores desafios para crescer.
Hoje mesmo a newsletter Diversa, da Énois mostrou como iniciativas em periferias e regiões distantes de centros urbanos são impedidas de captar recursos por não possuir um CNPJ, por exemplo. E nas pesquisas realizadas pelo laboratório de jornalismo com 120 jornalistas distribuídos em diversas regiões do país (dos quais 73% se autodeclaram negros e 9% indígenas), 66% disseram que o principal desafio para atuar cobrindo seus territórios é econômico.
Na minha pastinha de leituras, pirações e inspirações, já havia me deparado, ano passado, com o Mapa do Jornalismo Periférico, uma pesquisa realizada pelo Fórum Comunicação e Territórios, com comunicadores das quebradas de São Paulo. Ele mostrou que 80% dos jornalistas e comunicadores da capital paulista não têm as iniciativas de comunicação como seu único trabalho.
A minha amiga de longa data e cofundadora do Nós, mulheres das periferias, Regiany Silva, é um destes exemplos. Além de empreender em um outro veículo de jornalismo de educação, ela faz da gestão de contratos às redes sociais da organização de jornalismo liderada por ela e outras cinco comunicadoras moradoras de diferentes regiões periféricas.
Um exemplo de organização que só conseguiu começar a pagar as contas com recursos próprios depois de mais de 6 anos de existência, pois antes de 2020 o “investimento anjo” era do bolso das cofundadoras.
A própria história da transição da Mural, de coletivo para uma agência de jornalismo, nasce a partir de uma campanha de financiamento coletivo.
Se hoje temos uma equipe fixa de 19 pessoas e uma rede de 60, há três anos, essa virada só aconteceria a partir do recurso necessário para arcar com todas as burocracias exigidas para a formalização de uma empresa. No caso da Mural, uma associação sem fins lucrativos.
As pesquisas citadas acima refletem claramente esse começo da Mural. Não bastava apenas o desejo de informar sobre as periferias, como já fazíamos desde 2010. Era preciso grana para pagar um contador, arcar com toda a documentação necessária para essa formalização. Além disso, também fazíamos parte da estatística daqueles que trabalham noutras empresas.
Na campanha de financiamento, buscamos o recurso para pagar as despesas básicas da “firma”: contador, taxas bancárias etc. Ainda assim, continuamos, cada um, em seu emprego, trabalhando na Mural nas poucas horas vagas e em muitos fins de semana.
Com CNPJ na mão, conseguimos nosso primeiro financiamento para estruturação da Mural, o que permitiu a contratação “full time” de uma equipe gestora (faz-tudo), que deixou seus empregos para embarcar nessa aventura, como já dito, hoje com 19 pessoas fixas.
Neste ano, a pandemia fez com que muitas iniciativas, coletivos, organizações pudessem contar com o apoio financeiro e doações emergenciais para realizar os seus trabalhos, a Mural inclusive.
De acordo com o Monitor das Doações Covid-19, criado pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), as mais de 543 mil doações no Brasil, entre pessoas jurídicas (95%) e físicas (5%), arrecadaram cerca de de R$ 6,5 bilhões entre março e outubro deste ano.
E sei que a angústia da Regiany é compartilhada com muitos de nós: “A nossa preocupação é que se daqui dois anos vai continuar assim? O quanto eu preciso crescer agora e construir minha sustentabilidade para que este negócio continue existindo”.
De publicitário que na universidade pensava que iria fazer comerciais de TV, hoje como diretor de negócios, sonho com a Mural, quem sabe, com outros braços além da região metropolitana, com a periferia ganhando o centro das atenções — como realmente precisa– em todos os cantos deste país.
Assim como eu e todos os meus parceiros de equipe, também sonho que novas pesquisas possam mostrar que mais CNPJs de iniciativas, coletivos, organizações, associações possam ser abertas (e mantidas!) e que seja mínima a quantidade de pessoas que precisam se desdobrar em mil, trabalhar em outros lugares (às vezes sem tesão) para levar adiante o jornalismo que almejam fazer.
Anderson Meneses é codiretor e cofundador da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.
anderson@agenciamural.org.br