O futuro do jornalismo e a glamorização do ‘profissional-polvo’
Vagner de Alencar
No fim de setembro, participei de um evento no Mackenzie, universidade na qual me graduei há oito anos. O bom filho a casa tornou para compor a mesa de abertura em celebração aos 20 anos do curso de jornalismo da instituição. Para falar sobre o futuro da comunicação social.
Ao mesmo tempo em que fiquei honrado com o convite, me questionei se seria capaz de responder esta questão para a plateia virtual. Temos visto a tecnologia permitir cada vez mais recursos, como realidade aumentada e outras mil possibilidades para informar na era do jornalismo digital.
Mas como já mencionei em artigos anteriores aqui no blog Mural, para mim o futuro do jornalismo (para não dizer o presente) precisa estar atrelado à diversidade. De mais vozes e olhares para retratar uma sociedade complexa e a desigualdade na qual ainda vivemos.
Espero que a cara do jornalismo não continue sendo a de redações brancas, compostas majoritariamente por profissionais advindos de uma mesma classe, abastada.
De volta ao debate, uma das falas sobre esse futuro ficou ecoando em minha mente desde então: o jornalismo (ou jornalista) do amanhã precisa ser multi-habilidoso: saibam reportar, filmar, editar, falar idiomas…
Com redações cada vez mais enxutas por causa de uma crise, não apenas financeira, mas também política, não é difícil nos depararmos com profissionais sujeitos ao acúmulo de funções, de certo não por vontade própria.
Em uma área com diferentes possibilidades de atuação (assessoria, produção, reportagem, edição de vídeo), esse trânsito pode ser natural ao longo da vida, especialmente durante a faculdade, com estágios que permitam criar afinidades em uma atividade específica.
Evidentemente maiores habilidades podem ampliar a chance de contratação, sobretudo em um momento em que demissões e passaralhos aumentam as estatísticas de desemprego. Estima-se, segundo levantamento da Business Insider, que quase 8.000 profissionais de mídia tenham perdido seus empregos no mundo em 2019.
No Brasil, neste ano, cerca de 25% das redações brasileiras reduziram salários e 30% dos funcionários foram demitidos por conta da pandemia, de acordo com pesquisa da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas).
Difícil falar em escolha quando profissionais engrossam as estatísticas, porém mais perigoso ainda é o que podemos chamar de glamourização do ‘profissional-polvo’, ou seja, no caso do jornalista, aquele com vários braços, capaz de reportar, filmar, editar, falar vários idiomas.
Essa possível romantização, além de estar ligada à precariedade da profissão, também diz muito sobre a falta de oportunidades.
Trazendo para um caso pessoal, foram inúmeras as vezes, por exemplo, em que colegas de classe trancaram a matrícula da faculdade para realizar intercâmbios fora do país, no meio do curso. Um ano sabático o permitiria estar à dianteira em qualquer processo seletivo, como geralmente acontece.
No Brasil, apenas 5% da população sabe se comunicar em inglês, quer dizer, cerca de 10,5 milhões dos mais de 208 milhões de habitantes, segundo levantamento da British Council.
Para além do idioma, que talvez sequer precisasse usá-lo no cotidiano de trabalho, valorizava-se (se ainda não o faz) a experiência internacional (a quantidade de países visitados), não outras vivências.
Recentemente, tenho visto processos seletivos minarem a exigência da fluência em idiomas ou priorizar candidatos justamente por esse ser um indicador de segregação.
Para dominar “microáreas” dentro do jornalismo, que é “macro”, antes de pensar em como ser um profissional versátil, é pensar quais são as oportunidades que estão sendo criadas. Afinal, ainda presenciamos estágios que exigem experiência prévia. Um questionamento que fica é: será que essa exigência pode barrar a diversidade?
A largada, e certamente essa chance de ser ou fazer parte do jornalismo do futuro, também dependem de reflexões como essas. Oportunidades, para como também mencionado no debate no Mackenzie, sejam exploradas áreas como o jornalismo de dados, tão necessário nos tempos de hoje, ou até mesmo o domínio das técnicas para o combate e checagem de desinformação.
Vagner de Alencar é cofundador e diretor de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias