Para as periferias, a política não acaba com a eleição

Paulo Talarico

O recado veio de uma leitora que acompanha a Agência Mural. Em um ano tão puxado, com a pandemia de Covid-19 e o cansaço de tantas notícias negativas, a gente mandou nesta semana uma mensagem para nossa lista de WhatsApp em que dizíamos: “Ufa, acabou a eleição”, antes de enviar um resumo do que rolou nas periferias de São Paulo. 

“Acho que vocês deveriam repensar essa mensagem”, disse uma das assinantes. Pedimos para que ela comentasse o que pesava no comunicado, e a observação dela era mais do que pertinente. “As eleições são um processo, e esse processo nunca termina”. Ela não poderia estar mais certa. 

No domingo (29), Bruno Covas (PSDB) foi reeleito prefeito de São Paulo com quase 60% dos votos, mas quem vive nas periferias sabe que a política, no melhor uso da palavra, está no dia a dia, e não termina com a votação. 

Ela está no dia a dia das reivindicações de uma cidade mais igual e mais justa. Na luta por serviços públicos de qualidade, independentemente do seu endereço, da busca por uma cidade com menos preconceitos, menos racismo, sem lgbtfobia. 

E é nesse dia a dia que as lutas ganham corpo, promovem transformações e podem trazer mudanças reais com o passar dos anos. 

Este ano, por exemplo, a Câmara de São Paulo elegeu quatro mulheres negras pela primeira vez na história. Isso teria sido possível se essa bandeira e se a luta das mulheres negras por terem seu espaço na arena política não fosse uma reivindicação ampla nos últimos anos? 

Um exemplo é a distribuição de dinheiro público para fazer campanha. Poucas vezes tantos candidatos das periferias questionaram essa desigualdade que ajuda a manter no poder quem já está: os vereadores que distribuem emendas para redutos eleitorais e viram quase donos de bairros

Ao mesmo tempo, as eleições têm mostrado que falar das periferias é mais do que necessário, assim como pensar políticas públicas para essas regiões.

O número de citações ao termo triplicou ao longo dos últimos anos nas propostas de governo desses candidatos. Assim como os debates eleitorais trouxeram o tema em vários momentos – por mais questionáveis que sejam algumas abordagens dos prefeituráveis. 

Evidente que, nem sempre, essa ‘intenção’ vocalizada nos discursos se torna realidade. Assim como a gestão do prefeito Bruno Covas terá o desafio de mostrar que as palavras contra o racismo se tornarão políticas públicas efetivas cotnra a discriminação.

Mas é no cotidiano não eleitoral que as periferias cobram, buscam mudanças e encontram lideranças. Lideranças que poderão estar na Câmara daqui quatro anos (ou antes para deputado), disputando uma eleição pela primeira vez e, quem sabe, trazendo novos ares para o legislativo. 

As periferias sabem e sempre souberam disso. E sabem que em 2021 será preciso estar ainda mais alerta, com uma pandemia que segue levando os nossos e mais incertezas do que respostas sobre como iremos nos proteger e garantir alimentação para todos. 

Paulo Talarico é cofundador e editor-chefe de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias
paulo@agenciamural.org.br