2020 mostrou que é preciso ter uma missão relevante e uma equipe que acredite nela
Anderson Meneses
A data era 8 de janeiro de 2020, uma quarta-feira quente em São Paulo. Nas paredes da Casa Mural, nossa antiga sede, foram coladas folhas de calendário para cada mês do ano. Nosso time pegou seus cadernos, separou posts its e começou a trabalhar em nosso planejamento editorial.
Foram muitas discussões, pesquisas de todas as datas importantes e planejamentos para a cobertura de um ano que já seria especial. A anotação da nossa celebração de 10 anos estava lá, no mês de novembro.
Guardei todos papéis daquele dia em minha caixinha de recordações. Afinal, saímos daquela reunião felizes, com tanta energia depositada diante de tantas possibilidades.
Mas 2020 veio para mostrar que os cenários podem mudar. E muito!
Claramente uma pandemia jamais passou por nossas cabeças e também não havia entrado em nenhum post it naquela parede.
Em março, quando ela aterrissou em São Paulo, fomos rápidos em trocar todo o planejamento para enfrentar nossa nova forma de funcionar e entender quais passariam a ser as necessidades do nosso público.
As reuniões semanais de pauta foram marcadas à distância (por vídeo, quando possível). Os nossos encontros mensais com a rede de correspondentes também foram para o digital. Tivemos que repensar equipamentos e acesso à internet para todos.
Muitos dos nossos jornalistas tiveram que se acomodar em um novo local nas suas casas, onde pudessem encontrar silêncio e isolamento para trabalhar.
Mas todas essas mudanças foram pequenas em comparação à grande mudança em nosso editorial: precisávamos nos tornar uma organização noticiosa diária, pois sabíamos que o impacto da crise da Covid-19 iria atingir mais duramente as áreas por nós abrangidas –as periferias.
E, além de relatar, tínhamos o outro lado da moeda a tomar cuidado: o nosso público primordial, os residentes das zonas desfavorecidas da Grande São Paulo, precisavam mais do que nunca de um meio de comunicação em que pudessem confiar, uma organização noticiosa que os ajudasse a viver neste período, com informação em tempo real e fidedigna para tomarem as suas decisões diárias.
Voltamos toda a produção em nosso site à cobertura sobre o coronavírus. Até à chegada das eleições, quando acrescentamos uma série de reportagens especiais mostrando a disputa eleitoral.
E para ajudar a combater a desinformação, criamos no mesmo quintal da Casa Mural (agora vazio) o podcast diário “Em Quarentena”, para ser distribuído principalmente pelo Whatsapp e pensado para ser acessível a todos os níveis educacionais e sem barreiras de custo.
Vimos a nossa audiência explodir e mais que triplicar a quantidade de páginas lidas em nosso site (comparado com o ano de 2019). Só o “Em quarentena” obteve mais de 310 mil plays em todas as plataformas digitais. E ele foi parar até em rádios da Alemanha e França.
O nosso aniversário de 10 anos chegou com outro grandioso desafio: levar a missão da Mural para outra capital: Salvador. Novos correspondentes formados, novas histórias publicadas, inclusive nas capas dos jornais de um dos principais grupos jornalísticos da cidade.
Chegamos em dezembro exaustos, é claro. Foi espantoso adaptar-nos rapidamente a uma nova realidade, mas todo o pensamento, energia e tempo que gastamos no nosso planejamento estratégico para 2020 teve de ser deixado de lado.
Descobrimos que a nossa Redação é tão adaptável como o jornalismo precisa de ser; que o trabalho em equipe é primordial; que os nossos leitores são a nossa prioridade número zero e que o jornalismo de interesse público é o que impulsiona a nossa missão.
O que nos ajudou a tomar todas essas decisões no espaço tempo que tínhamos de tomar? O nosso palpite é que ter uma missão que seja relevante e significativa, e uma equipe que acredite nela.
Anderson Meneses é codiretor e cofundador da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.
anderson@agenciamural.org.br