Em 2021, precisaremos ouvir ainda mais as periferias
Vagner de Alencar
O contexto pandêmico nos trancou em casa. Diante dele, tivemos o desafio não apenas de criar alternativas para informar mais, mas informar melhor e ajudar nossas comunidades a sobreviver à Covid-19 e ao ‘vírus’ da desigualdade.
Sabíamos do desafio e da importância da conexão real com nossa audiência. Para isso, precisávamos buscar estratégias para não nos distanciarmos de nosso público em meio à pandemia.
Uma solução foi criar o “Em Quarentena”, podcast enviado exclusivamente pelo WhatsApp. Em abril deste ano, Anderson Meneses, diretor de negócios da Mural, contou como criamos, no quintal de casa, esse boletim de áudio, diário, para combater a desinformação e levar conteúdos que partiam desde a falta de acesso à água aos cuidados para o uso de máscaras.
Buscamos então a partir do “zap” estabelecer esse contato direto, afinal, as pessoas passam grande parte do dia no WhatsApp, considerado o serviço de mensagens instantâneas mais usado no país e também a principal fonte de informação dos brasileiros, segundo pesquisa realizada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, de 2019.
Para além do envio dos áudios, passamos a enviar, também, ilustrações, infográficos e imagens com a missão de informar sobre a crise sanitária.
Mais do que apenas enviar informações e notícias, entendemos que o “zap” nos ajudaria a estarmos mais próximos de nosso público — ainda que virtualmente. O que realmente aconteceu, a partir de sugestões de histórias, feedbacks de reportagens, dicas e sugestões.
Uma professora nos mandou mensagem pedindo autorização para usar os episódios em suas aulas, outro ouvinte agradeceu as informações em áudio pelo fato de não saber ler.
Esse novo canal não significava apenas uma tentativa de aproximação, mas uma possibilidade de agregar àqueles que não têm letramento. Segundo dados do IBGE, o Brasil tem 11,3 milhões de analfabetos, uma taxa de 6,8% de pessoas acima dos 15 anos que não sabem ler ou escrever.
Em um ano em que, literalmente, o uso do áudio nos possibilitou criar novas maneiras de levar informação, ele nos acendeu ainda mais a chama da necessidade de ouvir a audiência.
Afinal, o que mais buscamos é continuar colocando em prática um jornalismo capaz de informar para transformar realidades.
Acreditamos que nossa rede de correspondentes, espalhada por dezenas de bairros das periferias da Grande São Paulo, seja fundamental para estreitar laços entre jornalismo e comunidades.
Mas também buscamos outras iniciativas in loco para identificar as verdadeiras necessidades de informação das comunidades nas quais cobrimos.
Surgimos na internet, e como uma organização nativa digital, entendíamos que precisávamos sair do online para o offline.
Prova disso, ao longo dos últimos anos, desenvolvemos estratégias para estreitar esses laços, estar mais próximos, literalmente, mas que foram suspensos.
Como a Expo Mural, exposição itinerante na qual apresentávamos nosso trabalho em eventos nos bairros, o Mural nas Escolas, que promovia palestras para turmas de ensino médio de escolas públicas, e o Mural nas Universidades, com workshops para estudantes de jornalismo, que agora segue online.
Acredito que a Covid-19 tenha ajudado as comunidades a perceberem ainda mais a importância das reportagens locais.
O caminho é longo, afinal, os estigmas das periferias como algozes da cidade estão presentes em uma parcela do noticiário e ainda rondam a cabeça de quem a vida inteira só leu e ouviu desgraças sobre as periferias. Sonhamos em manter a confiança alcançada e ampliá-la cada vez mais.
Existimos para lutar, a partir do nosso jornalismo, contra esse imaginário, publicando mais e novas histórias.
E queremos, mais do nunca, continuar estabelecendo laços reais com nosso público. Seja pelo nosso site, pelo WhatsApp, por novos canais virtuais que surjam, e, especialmente, pelo contato presencial, olho no olho, quando a pandemia acabar.
Este artigo fecha este ano de 2020. Vamos descansar e voltamos na primeira quinzena de janeiro.
Vagner de Alencar é cofundador e diretor de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias