Periferias seguem sem respostas em um 2021 que começa sem oxigênio
Paulo Talarico
2021 não começou ainda. Ou melhor, 2020 não acabou –pelo menos para os moradores e as moradoras das periferias brasileiras.
A crise sanitária e seus impactos socioeconômicos só se aprofundaram. Sem nenhuma política que pareça querer interrompê-la, mas apenas com decisões de última hora que parecem querer colocar um curativo sobre um corte profundo, este janeiro parece abril do ano passado.
A notícia de que acabou o oxigênio em hospitais de Manaus na quinta-feira (14) trouxe um sentimento de derrota e do quanto seguiremos vulneráveis ao longo deste ano.
Enquanto irresponsáveis passam a sensação de que a pandemia está ‘no fim’, preocupa como serão os próximos meses, cheio de perguntas sem respostas, sobretudo para quem mais depende do SUS (Sistema Único de Saúde).
As cenas desesperadoras assustam ao pensar nas perspectivas que estão se desenhando este ano, mesmo com o começo da vacinação.
Não podemos dizer que outros estados irão sofrer o mesmo problema que Manaus, mas a alta de casos e a lotação dos hospitais, somadas ao ataque às medidas de prevenção como uso de máscaras, trazem pouca esperança.
Estamos com 70% da ocupação de leitos na Grande São Paulo, enquanto seguimos espremidos no trem, no ônibus e no metrô. Nenhuma solução razoável foi apresentada para os problemas dos trabalhadores que estão no transporte público, e quem trabalha tem medo de perder o emprego caso medidas restritivas sejam ampliadas.
No meio disso, vem um pedido: não façam festas e fiquem em casa. Nem sempre uma conta fácil para quem ficou exposto diariamente ao vírus para sobreviver e numa cidade/país onde muitas vezes é um artigo de luxo não sair da residência.
Claro que não é uma regra geral. Teve muita gente que reduziu os festejos de fim de ano e buscou evitar os contatos com familiares. Muitas ações solidárias e de doação de máscaras e comida continuaram acontecendo, apesar de lideranças comunitárias relatarem queda nesse apoio, em especial quanto aos alimentos.
Famílias se acotovelam à procura de comida e enfrentam aglomerações quando aparece alguma esperança de doação, como ocorreu nesta quinta-feira (14) na Ceagesp. Um anúncio nas redes sociais dessa ação solidária fez com que uma fila de 1 km se formasse ali.
O auxílio emergencial, apoio recebido no ano passado de R$ 600 durante alguns meses e de R$ 300 no final de 2020, ainda não teve sua continuação confirmada. Tudo isso deve levar ainda mais trabalhadores e trabalhadoras para as ruas em busca da sobrevivência.
Além disso, as aulas na rede municipal e estadual de São Paulo começam em fevereiro, inicialmente para 35% dos alunos.
Pais e mães ficaram com os filhos em casa, e poucos conseguiram acompanhar as aulas online. Como recuperar esse ano perdido, sem ampliar ainda mais a contaminação?
Muitos terão de ser vacinados para evitar a propagação. Inicialmente apenas os grupos de risco serão os primeiros imunizados. A expectativa por ela não pode nos fazer baixar a guarda dos cuidados.
Para que essa pequena esperança funcione, um discurso único entre os atuais governantes e transparência com a imunização serão necessários. Fato é que isso não vai acontecer, como não ocorreu em nenhum momento da pandemia.
É com essas dúvidas que as periferias começam o ano e com a perspectiva do início da vacinação, o que muda pouco num primeiro momento. Falta transparência, cuidado e oxigênio.
Paulo Talarico é cofundador e editor-chefe de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias
paulo@agenciamural.org.br