A ‘conversão’ da minha mãe ao combate à desinformação

Lucas Veloso

Termômetro que mata neurônios, bebê que pode ser salvo se você disser amém e encaminhar a mensagem para seus contatos ou um chá de boldo que pode te livrar da Covid-19.

Aos 57 anos, minha mãe, Maria Aparecida, recebia essas mensagens via WhatsApp e rapidamente compartilhava no grupo da família e nos outros que tem no celular.

Sempre que via essas coisas absurdas que ela mandava, como se fosse algo mais natural do mundo, conversava com ela, explicava que aquilo era irreal. Em outras vezes, cansado de falar, mandava uma notícia desmentindo.

Com poucos anos usando celular, ela ficava confusa sobre no que podia ou não acreditar. Na cabeça dela, como estava ali, um “lugar” que ela não dominava, minha mãe acabava caindo no conto das fake news e mandava as mentiras para familiares na Bahia, em Alagoas e Minas Gerais.

Outra coisa que a levava a compartilhar “informações” não que verificava: quem mandava para ela era alguém de confiança, como as pessoas da igreja ou algum familiar mesmo.

Receber aquilo de alguém próximo não exige apuração, né? “Mas fulano que mandou, Lucas. Ela não ia colocar mentira aqui”, era a resposta que eu recebia quase sempre.

Minha mãe ama plantas. O quintal aqui de casa é cheio de delas, incluindo ervas e pequenas árvores frutíferas.

Em maio do ano passado, circulou bem forte uma mensagem que apontava o boldo como a cura da Covid.

O texto dizia que, enquanto o governo gastava “bilhões no combate ao coronavírus”, uma pessoa sem formação científica descobriu o poder do chá de boldo.

“Combate os sintomas da Covid-19 em três horas, realmente. Deus usa as coisas loucas deste mundo para confundir os sábios.”

Em Guaianases, na zona leste da capital paulista, o boldo virou a cloroquina. Naquela semana, dezenas de pessoas chamaram no quintal pedindo folhas e mudas de boldo para minha mãe. E foi aí que o jogo começou a virar.

O correspondente de Guaianases, Lucas Veloso, e sua mãe Maria Aparecida (Arquivo pessoal)

Eu já tinha comentado com minha mãe sobre a ineficácia, ou da falta de comprovação científica, da erva no combate à Covid19. Apesar do descrédito no “remédio milagroso”, ela distribuiu boldo para quem pediu.

Aquela foi a semana de ouro do boldo, sempre tão xingado por tornar-se um chá “amargo demais”.

Ela distribuía boldo no quintal e entrava em casa comentando. “Olha, mais uma mulher veio pedir boldo aqui, deve ser por causa da mensagem. Eu falei que não servia, mas ela quis” ou “Ciclano pediu mais boldo também”.

E ela me contava num tom de brincadeira, daquelas pessoas que descobrem uma coisa que ainda é segredo. Ela tentava a conversão das pessoas, mas foi uma batalha difícil.

E foi o boldo que curou minha mãe do contágio das fake news. Da pessoa que compartilhava remédios como alho batido com beterraba e sal grosso ela hoje presta mais atenção na tevê e nas informações que chegam até ela para poder confirmar ou não e conversamos muito mais sobre o que é ou não verdade.

No celular eu recebo várias vezes por semana a mensagem dela dizendo: “Lucas, fala se é verdade para eu passar”.

Hoje, vez ou outra, ela manda “boletins informativos” no grupo da família, com atualizações sobre as vacinas, cuidados contra a pandemia ou outras coisas que considera relevantes para todos os familiares.

Na semana passada, minha mãe deu mais um passo em sua batalha contra as mentiras.

Enquanto assistia ao jornal, ela comentou, do nada: “O IFA está atrasado”. “Mas o que é isso, mãe?”, retruquei. “Está falando todo dia no jornal, como você não sabe, Lucas? É a matéria-prima das vacinas, sem isso, não dá para fazer nada.”

É, acho que entre as estratégias de combate às fake news, nossas mães não podem ficar de fora. Elas deveriam ser o grupo prioritário nesta batalha anticontágio, que parece funcionar como a imunidade de rebanho.

Lucas Veloso é repórter da Agência Mural de Jornalismo das Periferias e correspondente local de Guaianases desde 2014.