Aulas presenciais recomeçam com perguntas sem respostas para professores das periferias
Cíntia Gomes
Como garantir a biossegurança na pandemia nas escolas com a falta de infraestrutura existente há décadas nas escolas públicas das periferias de São Paulo?
Esta foi uma das questões em comum de oito professores de escolas diferentes do Jardim Ângela, na zona sul da cidade, que me enviaram mensagens no Facebook, WhatsApp ou email quando souberam que seria uma das entrevistadoras a participar da bancada do programa Roda Viva com o Secretário de Educação do Estado de São Paulo, Rossieli Soares.
A frase que mais escutei nos dias que antecederam o programa era de que tinham desistido de assistir, mas ao saberem que teria uma repórter da periferia mudaram de ideia.
Algo bem desafiador. Mais até do que estar em um dos programas mais tradicionais de entrevistas do País, é saber que a minha participação significaria representatividade, confiança no trabalho que desenvolvo na Mural e que estando ali poderia levar questões que impactam diretamente a vida de professores, alunos e famílias.
Além de jornalista, estudei em uma escola pública municipal e estadual no Jardim Ângela. Então ouvir professores em relação ao que mais os angustiava para o retorno das aulas presenciais, e as questões levantadas não era apenas escuta, mas de alguém que conhece bem a realidade de uma escola pública na região.
Nos depoimentos, ficava claro que a questão vai muito além do medo de um vírus e da contaminação, mas principalmente se conseguirão garantir a aprendizagem efetivamente por meio de um rodízio e ensino híbrido (remoto e presencial) que não atinge toda a classe. Além de dupla jornada que os professores terão de preparar aulas diferentes em plataformas e horários diversos.
“Se 30% acessa [o ensino remoto] é muito”, disse um educador do ensino médio. “Eles podem ver pela TV Cultura, pelo Youtube, e centro de mídias, mas não dá pra saber se acompanham ou não. É um problema estrutural muito grande. Vou voltar a dar aula presencial já sabendo que não vou atingir 100% dos meus alunos e isso pedagogicamente é frustrante para o professor.“
As salas de aulas são lotadas em tempos ‘normais’. Inicialmente, o retorno é para até 35% dos alunos. Dentro de uma sala, essa quantidade não garante o distanciamento exigido para se proteger do contágio.
O planejamento do professor também ficou confuso e desgastante com esse plano de semana A, B e C (que define a quantidade de estudantes na classe). “Eles citam exemplos o tempo todo, mas apenas os professores conhecem suas rotinas, não é tão fácil quanto parece”, me disse uma professora que leciona em Taboão da Serra.
Uma outra questão apontada pela maioria é de que em uma live o secretário informou que cada sala de aula teria um projetor e um computador para os alunos acompanharem as aulas dos professores que estão em trabalho remoto, por alguma comorbidade.
De acordo com outro professor do Jardim Ângela, a escola não tem essa infraestrutura suficiente para atender a todos os protocolos, iniciando pelos poucos funcionários de limpeza disponibilizados pelo Estado.
“A escola onde trabalho, por exemplo, tem duas funcionárias de limpeza para limpar a escola inteira de uma troca de turno para outro seguindo todos os protocolos é humanamente impossível”, relata. “Algumas estruturas para o ensino híbrido que o estado falou que iria ter e não é a realidade. Chegaram 14 tablets, como vou atender só 14 alunos na escola inteira, não tem condições”.
Ao ser questionado sobre a limpeza, o secretário respondeu no programa que cada uma das escolas tem que desenvolver um plano, se ela tiver alguma dificuldade, cada unidade vai fazendo a partir da sua realidade.
“No caso dos contratos de limpeza a maioria é terceirzado e o contrato não é por número de postos, é pela limpeza executada no metro quadrado.” E reforçou que “neste momento tem que ter a limpeza, tem que ter o protocolo e se eu não consigo garantir para aquele número de alunos que eu adapte dentro do projeto e não voltar de qualquer jeito.” completou.
No dia de retorno às aulas recebi um depoimento de como foi o primeiro dia em uma escola no Jardim Capela, zona sul.
“As salas não tinham álcool em gel, somente em alguns locais como entrada da escola e pátio, professores também não receberam conforme informado. Fomos orientados a levar de casa, e pedir para os alunos também levarem os deles”.
“Não temos funcionários de limpeza suficientes para uma assepsia dos locais, então, no papel existe, mas na realidade não. Somente uma vassoura é passada ao final dos turnos. As janelas das salas não abrem e a orientação é deixarmos a sala bem arejada com portas e janelas abertas sem o uso do ventilador”.
Relato que só reforça os desafios que antes já eram grandes nas escolas públicas, e que agora são ainda mais complexos. Os protocolos na teoria funcionam bem, mas a prática é bem mais delicada.
Cíntia Gomes é jornalista, cofundadora e diretora institucional da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.
cintia@agenciamural.org.br