O negócio do jornalismo

Izabela Moi

Meu pai completou 80 anos há poucos dias. Neste final de semana falamos por telefone, e ele estava preocupado com alguns anúncios que estavam aparecendo no site da Agência Mural. Anúncios, segundo ele, no mínimo de “gosto duvidoso”. “As pessoas podem ficar confusas se acharem que vocês autorizam esse tipo de propaganda”, disse, avisando que era apenas uma “carta do leitor”.

A partir daí conversamos mais sobre Google AdWords e AdSense, os problemas dos algoritmos e a falta de controle total sobre o que a audiência vê enquanto navega em nosso site.

Contei a história do jovem casal que protagoniza as campanhas do Sleeping Giants (que alerta empresas que estão anunciando em sites de desinformação) e debatemos nossas teorias sobre porque a velha propaganda tinha ganhado contorno de verdade com as “fake news”.

Vivemos em um mundo complexo.

[Pausa.]

Não quero entrar no debate que a ombudsman da Folha, Flavia Lima, já esmiuçou para todos e todas nós, em sua coluna do dia 28 de fevereiro

Quero falar de credibilidade, de sustentabilidade e do futuro do jornalismo.

Há alguns anos a gente ouve falar que nossa indústria vai mal. Queda do número de assinantes, a internet que veio pra ficar e prova que o preço de derrubar árvores é ainda mais caro do que fazer papel, anunciantes que descobrem seus próprios canais de comunicação para chegar a seus consumidores diretamente. 

A crise veio, acima de tudo, atingir em cheio um modelo de negócios e seu modus operandi. 

Nós, a Agência Mural, somos uma organização pequena. Que se estende com muitos braços de colaborações e parcerias, mas nosso pequeno núcleo gestor é formado por cinco pessoas. Somos cinco comunicadores que falam de negócios e de modelos de negócio quase o tempo todo. Um diálogo que mantém viva a necessidade de deixar os valores editoriais intactos quando sentamos para começar uma conversa com um parceiro potencial.

Porque uma organização jornalística sem fins lucrativos e que tem uma missão como a nossa vive a preocupação diária de fazer o sonho se tornar realidade: se tornar sustentável! 

E qual é o produto que vendemos? O resultado do nosso esforço de chegar o mais perto possível da verdade com todas as suas cores e seu contexto nas periferias urbanas. 

Por isso, como para outras organizações, cada trabalho que fazemos importa. Cada reportagem publicada tem de ter coerência no cumprimento da missão. Cada imagem é o recorte que conscientemente escolhemos para melhor informar nossa audiência. E cada marca que está perto de nós está porque também quer estar associada a esta missão.

O jornalismo quase perdeu muito mais do que seu modelo de negócios nestes últimos anos. Perdeu muitas oportunidades de mostrar que continua procurando, acima de tudo, servir o interesse público. A gente não precisa ficar longe do negócio para manter a independência editorial. Aliás, achamos, na Agência Mural, que o negócio é que precisa ficar mais perto da realidade que nosso jornalismo mostra.

Izabela Moi é jornalista, cofundadora e diretora executiva da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.
iza@agenciamural.org.br
https://www.agenciamural.org.br/author/izamoi/