Encher uma laje demanda as mãos de muitos. No jornalismo não é diferente

Anderson Meneses

Se eu te contasse que para entrar em um trem na cidade de São Paulo você teria que pular um vão de 40 centímetros? Ou que nesta mesma cidade, com o maior PIB do país, o seu bairro pudesse ficar completamente alagado por uma semana sem que nada fosse feito, você acreditaria?

Pois é. Mas não vim aqui contar histórias para rechear seu 1° de abril. Essas histórias, que contamos desde 2010, são reais. 

Em 2017, a Agência Mural fez um levantamento inédito, indo de estação em estação, onde medimos, literalmente, os vãos das 91 estações da CPTM em funcionamento na época. 

Nossa reportagem mostrou que, além de os passageiros terem de enfrentar os buracos gigantescos entre o trem e a plataforma na hora do embarque ou desembarque, cerca de 1.000 pessoas sofriam acidentes ali, por causa da largura desses vãos nos trilhos das estações. 

Depois de nossa reportagem, publicada aqui na Folha, a companhia decidiu instalar borrachões em algumas estações. Não em todas, apenas em nove, mas já foi um começo. Hoje, pelo menos alguns paulistanos não precisam mais praticar saltos ornamentais para descer do trem.

Assim como o morador de São Miguel, Robson Santos, que, depois da reportagem da Mural, também deixou de ser ”barqueiro” de um teto de kombi. 

Por conta das chuvas e do alagamento ocasionado, Santos improvisou a “canoa” para ajudar os seus vizinhos a irem ao trabalho ou à escola, após o bairro ficar uma semana embaixo d’água. O poder público resolveu o alagamento no mesmo dia da reportagem ir ao ar.

Para além desta gigantesca catástrofe que estamos passando por conta da pandemia e da falta de políticas públicas para lidar com seu impacto (sanitário e econômico), todos os dias tentamos encontrar o equilíbrio para não deixar todas as outras histórias de como se vive nas regiões mais pobres da cidade passarem despercebidas.

Nesta pandemia, sentimos ainda mais a importância de cobrir as periferias e construir uma relação mais próxima com nossos bairros. Um trabalho feito para informar, ajudar a combater mentiras espalhadas por aí, mostrar as desigualdades e as histórias das redes de solidariedade criadas por moradores para amenizar o peso dessa tragédia. 

E foi nos baseando nesta possível, mas nem sempre provável, transformação da realidade pela circulação da informação e pela inclusão dos territórios e todos os cidadãos que estamos lançando um novo programa de apoiadores.

Campanha de apoiadores da Agência Mural, Tijolo por Tijolo busca aproximar quem apoia o jornalismo sobre as periferias (Matheus Pigozzi/Agência Mural)

Continuaremos a manter nosso jornalismo de livre acesso para todos. Porque acreditamos que o que fazemos é relevante e pode contribuir para a tomada de decisões cotidianas — e em um ano de pandemia, isso significa salvar vidas! 

No entanto, apesar de sermos muitos (quase 80, entre a equipe fixa e a rede de correspondentes locais), a gente não dá conta de fazer tudo isso sozinho. A gente acredita nesta construção coletiva, no mutirão e no passo a passo. Tijolo por tijolo é o nome do nosso programa.  

Quando o Emicida canta que já rodou o mundo e que “tudo que nóiz tem é nóiz”, eu só lembro das reuniões mensais com os correspondentes da Mural e de como estamos todos reunidos ali para dar espaço para outras narrativas sobre as cidades. 

Mas nós queremos ampliar esse “nóiz”: queremos ser muito mais numerosos. Vem com a gente?

Anderson Meneses é codiretor e cofundador da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.
anderson@agenciamural.org.br