A demora do resultado do teste de Covid-19 diante das milhares de mortes diárias

Por que a demora em saber se você tem ou não a doença, que já mata 4 mil pessoas por dia, faz com que você possa continuar a ser um agente de contaminação

Paulo Talarico

“Sim, você estava com Covid”, respondeu a profissional da unidade de saúde quase duas semanas depois do exame ter sido realizado. 

Foi assim que confirmei que estava com a doença em janeiro, em uma época em que os casos cresciam, mas o sistema de saúde ainda conseguia cuidar dos casos graves –a ocupação dos leitos nos hospitais estava em torno de 70%. 

Ainda não pensávamos em um cenário de 4 mil mortes por Covid por dia, embora já faltasse oxigênio em Manaus. Pior: podemos estar já com esses números em patamares muito mais assustadores.

Há um descompasso entre as confirmações do contágio e os números que conseguimos divulgar.

Vou voltar pra minha história. Quando os sintomas apareceram, tinha muitas dúvidas do que fazer, mesmo sendo um jornalista e lidado com as informações sobre o coronavírus desde o começo da pandemia. 

“Vou ou não para um hospital?”, foi a pergunta que me fiz muitas vezes naqueles dias. “Estou em um estado que dá para me recuperar em casa ou é melhor ir para pedir apoio? Será que preciso de um raio-x do pulmão? Mas vale sair de casa e se expor ao vírus no hospital? 

Ou pior, se eu sair de casa e alguém se contaminar por minha causa ou até em casa. No mesmo quintal, tenho mais pessoas na família, e uma delas tem mais de 80 anos.

No quarto dia de sintomas, fui à farmácia para tentar fazer um teste rápido. Por lá, a promessa era de um teste PCR por meio da saliva a R$ 150. Cuspi no potinho três vezes até conseguir uma amostra que valesse. Resultado no outro dia: negativo. 

O que deveria ser notícia boa já não fazia sentido para meu estado. A essa altura, o olfato já tinha ido para o espaço e no almoço seguinte sumiu o gosto do pouco que eu conseguia comer –nada de paladar nem apetite. 

No quinto dia, fui até a UBS (Unidade Básica de Saúde) do meu bairro. Tinham poucas pessoas e uma área externa para fazer o teste. Desta vez, aquele do nariz. O papel do exame já dizia: só daqui a dez dias o resultado. E teria de ir pessoalmente para receber a resposta.

Se tudo corresse bem, saberia a resposta depois de estar curado. Mas e se não? “Se piorar antes do resultado sair, procura o hospital”.  

Voltando para nossa tragédia coletiva: quanto esses mais de dez dias pesam na contagem em um país que hoje mata 4 mil por dia?  Um país que não tem uma política anti-contaminação clara, fora quem simplesmente boicota o pouco que se sabe, como o distanciamento social. 

Fiquei pensando em quantos como eu, com sintomas incialmente sem gravidade, podem ter seguido na jornada normal e, sem querer, mantiveram a doença circulando, involuntariamente. 

No sexto dia os sintomas pioraram. Ainda tinha dúvida se deveria ir a um hospital, e o fato de não ter um exame me deixava sem saber o que fazer. 

Na roleta russa da Covid, tive sorte e me recuperei com poucas sequelas, depois dos 14 dias. Tenho amigos que ainda lidam com alguns sintomas há meses. Um tio morreu no interior de São Paulo, o marido de uma prima se salvou depois da intubação. 

Um ano após a disseminação da Covid, a testagem em massa e a demora dos resultados ainda caminham lentamente. Enquanto isso, a Prefeitura de São Paulo anuncia a abertura de 600 valas por dia.

Infelizmente, vidas perdidas parecem, cada vez mais, se naturalizar em números.

Paulo Talarico é cofundador e editor-chefe de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias
paulo@agenciamural.org.br