A vacinação de jornalistas em um país com poucas vacinas

Paulo Talarico

Nesta semana, a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) iniciou um abaixo-assinado para pedir a vacinação de profissionais da categoria contra a Covid-19. 

Um estudo da entidade mostra que o Brasil é onde houve mais mortes causadas por contaminação do coronavírus no mundo entre jornalistas – foram 86 vítimas só em 2021. 

A medida de imunizar os jornalistas, apesar de ser lógica, dado o número de profissionais na cobertura diária da situação da pandemia, esbarra numa conta que está longe de ser fechada: que vacina?

Os grupos mais vulneráveis não estão vacinados. Os profissionais que mais estão expostos, usando diariamente o transporte público, também não. Professores obrigados a voltar às aulas, idem. E os territórios que mais foram afetados também estão longe disso. 

Uma pesquisa do Instituto Pólis aponta a importância de que a vacinação priorizasse bairros das periferias, onde houve mais mortes. 

Também pelo fato de que nessas regiões vivem pessoas que mais necessitam sair de casa para trabalhar e circular pela cidade – quanto mais vacinados neste grupo, mais aumenta a proteção nos trens, ônibus e metrôs.

Nesta semana, um estudo do LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, indica como o discurso de que as periferias são as que tiveram mais casos não serviu para medidas prioritárias. 

“A narrativa que associa a Covid-19 a determinados territórios tem apenas o efeito de naturalizar as mortes causadas pela doença, já que, mesmo com o reconhecimento da vulnerabilidade, não há adoção de políticas dirigidas especialmente para estes grupos e muito menos sua inclusão nas prioridades de vacinação”, diz o estudo assinado pelos pesquisadores Aluízio Marino, Gisele Brito, Pedro Mendonça e Raquel Rolnik.

Além disso, a imunização inicialmente tem atingido menos a população mais negra, tem sido desigual em cidades e estados, e menor entre quem tem 70 anos ou mais nas periferias.

Claro que somos a favor de que os jornalistas sejam vacinados, de sermos olhados com prioridade quando tivermos de ir às ruas para trazer informação de qualidade para todos. Assim como queremos que o exercício da profissão seja feito sem sofrer ataques constantes, ameaças e até assassinatos, como aponta relatório da Repórter Sem Fronteiras.

Mas a discussão não é esta.

Como temos acompanhado o processo da CPI, o que está em debate é uma política pública de saúde que queira nos salvar, a todos, da Covid 19. 

Em termos de prioridade, o mais importante é fazê-la chegar aos 160 milhões de brasileiros acima de 18 anos –e proteger a imprensa e seus profissionais, para que possam continuar a fazer seu trabalho.

Paulo Talarico é editor-chefe da Agência Mural

 

 

Erramos: o texto foi alterado

O texto não mencionou inicialmente que os 160 milhões de brasileiros citados são da população que deve ser vacinada, ou seja, acima dos 18 anos. O Brasil conta com 213 milhões de habitantes no geral. Texto foi corrigido.