O papel dos jornalistas negros e não negros na defesa de uma educação antirracista
Durante todo o ensino fundamental e ensino médio em uma escola pública, só me recordo de três professores negros. Entre elas, uma professora que nos deu aula por pouco tempo porque ia tirar licença maternidade e outro, sempre muito desrespeitado pelos alunos, especialmente com piadas racistas.
O ambiente era muito hostil não só para os alunos, mas também para professores negros. Já presenciei uma discussão em que o professor pediu para realizarmos uma prova com caneta azul ou preta e, ainda assim, um aluno branco fez de caneta vermelha para desafiá-lo.
No ano seguinte, quando já não estávamos mais na mesma sala, com este mesmo professor, o mesmo aluno com seus amigos o cercaram contra parede por um outro motivo fútil.
Sabemos que a maioria dos professores passam por muitos desafios em escolas públicas por causa da sala lotada ou da falta de planejamento, mas problemas como o racismo contra educadores e alunos é uma tema que muitas vezes fica escondido.
Uma reportagem publicada pela Folha, com base no Censo Escolar 2019, mostra que apenas um em cada dez alunos de escolas privadas na cidade de São Paulo é negro-a.
E quanto a nós, jornalistas negros e negras, como olhamos para essas questões?
Entrar para a lista “das mais feias” da sala, nunca ser a noiva da festa junina, não ter um cabelo liso, imagine quantas mágoas ou traumas do ambiente escolar uma menina negra pode levar para a vida adulta.
Esses sentimentos vieram à tona quando participei do evento “Trilha Educação Antirracista: Formação de Líderes”, na Secretaria Estadual de Educação, representando a Agência Mural.
Como correspondente da Agência Mural em Cotia, jornalista, mulher, negra e mãe, a dinâmica do resgate de memórias me deixou em prantos, assim como outras pessoas negras no auditório. E a única coisa que eu consegui pensar foi “eu odeio a escola e não sinto a menor falta daquele espaço”.
Mas aí penso que hoje posso fazer diferença. Além de falar com estudantes do ensino médio de escolas públicas sobre a Agência Mural, é preciso incluir as questões da luta da população negra e sobre a representatividade na mídia/imprensa.
E precisamos contar mais dessas histórias, dessas vivências dentro das escolas que não são “a norma” (nunca foram). Como é ser um corpo negro em uma escola pública –o primeiro e o ambiente de socialização que frequentamos por mais tempo em nossa vida? Como os jornalistas negros podem cobrir a educação para contribuir para essa discussão, para ampliar a cobertura com mais pontos de vista?
Uma pesquisa que traçou o perfil do jornalista de educação no país, realizada em 2019 a partir da base de associados da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), revelou que quem trabalha com jornalismo de educação é majoritariamente mulher, branca, tem até 40 anos, mora no estado de São Paulo, cursou pós-graduação (especialização) e ganha até sete salários mínimos.
No meu primeiro estágio, eu estava “cercada” de pessoas brancas e de classe média alta. Eu era uma estranha naquele espaço. Mas foi quando tive pela primeira vez uma chefe negra que minha perspectiva de me reconhecer como jornalista mudou. Antes sentia que precisava dessa “autorização branca” para me reconhecer como tal. Afinal, quem acreditaria que uma mulher preta, moradora do Morro do Macaco, é uma repórter profissional?
Como jornalistas, negros e não-negros que fazem a cobertura da educação, precisamos abordar mais a questão racial que afeta alunos e professores diariamente. É o nosso dever, especialmente como correspondentes periféricos, mostrar que é possível ocupar espaços que antes diziam não ser para nós. É, afinal, contar as histórias da maioria (silenciada).
Halitane Rocha é correspondente de Cotia na Agência Mural de Jornalismo das Periferias