Ser produtivo no trabalho enquanto enfrentamos os lutos da pandemia
Tamiris Gomes
Em junho perdi uma tia para a Covid-19. Marineide Maria Gomes Neves, 64. Ela, com toda a família, morava em Jundiapeba, bairro da periferia de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Não pude vê-la, não me despedi, não abracei minhas primas e primos nem “vivenciei” a partida de alguém próximo. Foram chamadas no WhatsApp, áudios, um luto online.
Familiares de 529 mil pessoas no Brasil também sentiram e sentem essa dor. É o número de mortes registradas por causa da doença. E minha tia é uma das 60 mil vítimas da Covid-19 só na Grande São Paulo.
Segundo um estudo epidemiológico feito no Japão e nos EUA há alguns anos, a morte de alguém impacta diretamente na saúde emocional de uma a seis pessoas — que são em média mais próximas à vítima. Além disso, ver amigos, colegas de trabalho ou conhecidos perderem familiares também nos afeta em algum grau.
Este ano, “presenciei” a notícia de pelo menos dois amigos da Agência Mural que perderam pessoas da família. Nos chats da equipe, trocamos palavras de conforto, “meus sentimentos”, “força”, mas a sensação é de um protocolo que repetimos e nunca vemos um fim.
Depois do ocorrido com minha tia, demorei alguns dias para retomar as atividades no ritmo parecido com o de antes. Lidar com a produtividade (ou falta dela) é um desafio. É quando me pergunto: como ser criativa e estar concentrada com tanta coisa ruim acontecendo?
Conversando com a psicóloga que tenho iniciado algumas sessões, ela me elucidou que passamos por diferentes tipos de luto que prejudicam o rendimento: a consequência da perda da antiga rotina, de alguns hábitos, das relações (pessoais ou de trabalho), a vida social. Há também quem tenha perdido o emprego, a estabilidade financeira. Tudo isso também adoece.
No meu caso, a preocupação e medo por questões da pandemia, tristeza e mudanças de rotina acabaram afetando a qualidade do sono. E uma mente cansada não consegue produzir.
Mas a terapia tem me ajudado a encontrar certo equilíbrio nesse período, respeitar o luto e entender que há dias que “não tá tudo bem”. Esse tipo de apoio tem sido cada vez mais necessário.
Se tratando especificamente da saúde mental dos jornalistas, o cenário é bem preocupante. Estudos realizados pelo ICFJ (International Center for Journalists) indicam que 70% dos profissionais entrevistados consideram os efeitos psicológicos da Covid-19 como o aspecto mais difícil para lidar no trabalho – 82% tiveram ao menos uma reação emocional negativa na pandemia.
Por isso é preciso destacar a importância do acolhimento no ambiente de trabalho. Programas ou ações em prol da saúde mental dos jornalistas ou de quem trabalha com informação (freelancers, autônomos e colaboradores em geral) deveriam ser o básico em todas as redações.
Em junho, a Agência Mural iniciou uma “parceria solidária” com um grupo de analistas da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, e de nutricionistas do Grupo Corpo e Cultura. Eles se dispuseram a oferecer horas de trabalho para que a redação fixa da agência seguisse seu cotidiano com apoio.
“Nas periferias, como em todos os outros lugares do país, os profissionais envolvidos em garantir que as informações cheguem aos seus leitores e suas leitoras estão ainda mais expostos. Não apenas aos riscos da contaminação real, mas também fragilizados por terem de lidar com a cobertura desses tempos mais que difíceis, diariamente”, escreveu Cíntia Gomes, diretora institucional da Agência Mural.
Após um ano e quatro meses depois do início da pandemia, parece repetitivo esse papo de resiliência, mas cuidar da saúde mental segue urgente.
Tamiris Gomes é editora-assistente da Agência Mural