A história do presente sob nossa responsabilidade
Izabela Moi
Em meados do mês passado, uma das maiores e mais reconhecidas agências de notícias do mundo, a Associated Press, anunciou que não ia mais divulgar, em seus artigos, os nomes das pessoas acusadas de crimes menores, por preocupação de que tais histórias possam ter uma longa e nociva sobrevida na internet, o que poderia dificultar ou ter impacto negativo na vida real destas pessoas.
Histórias menores como, por exemplo, a de uma pessoa presa por se despir e dançar bêbada em um local público, que podem gerar algum interesse momentâneo mas esquecida no dia seguinte, permanecem nos arquivos e buscadores.
“O nome da pessoa presa viverá para sempre on-line, mesmo que as acusações sejam retiradas ou a pessoa seja absolvida”, disse John Daniszewski, vice-presidente de padrão da AP. “E isso pode prejudicar a possibilidade de alguém conseguir um emprego ou, entrar em um clube.”
Pouco menos de dois anos antes disso, o jornal inglês The Guardian, que acaba de celebrar 200 anos, também anunciou um novo posicionamento de linguagem para tratar um tema considerado, pela organização, tão crucial para nossa vida no presente como no futuro: as mudanças climáticas.
No editorial, apontava o novo vocabulário com que ia tratar o assunto, com argumentos transparentes para que seu leitor e sua leitora pudessem concordar ou discordar da atitude, mas que tivessem segurança para isso.
Por exemplo, daquele dia em diante, os artigos publicados pelo jornal não iam mais falar em “mudança climática” mas em “emergência climática” ou “crise climática”, pois o termo anterior “não é mais considerado pertinente para refletir com precisão a gravidade da situação”.
Do lado de cá do nosso hemisfério e da nossa ponte, o coletivo Periferia em Movimento, com sede na zona sul de São Paulo, também apostou em colocar mais lenha nesta fogueira do debate sobre a responsabilidade da escolha e do uso das palavras nas narrativas jornalísticas e seu impacto na vida real. Em um manifesto corajoso em 28 de junho, adotou o gênero neutro como regra de suas reportagens.
“Em um país marcado por profundas desigualdades e questões estruturais, mergulhado em uma crise autoritária piorada pela pandemia, somos atravessades por tudo isso. E para determinados grupos, a identidade de gênero é questão de vida ou morte”, explica o editorial.
E tudo isso parece que não tem a ver com a Agência Mural, mas tem.
Escrevemos a missão do Mural quando ainda éramos apenas um blog. E a missão de quebrar os estereótipos que existem sobre as periferias também faz escolhas em sua narrativa.
Por um longo período, nos dedicamos (era o super repórter Lucas Veloso o responsável!) a “caçar” a palavra “carente” nos noticiários que se referiam à pobreza ou às periferias para tentar erradicar um termo que trazia mais preconceitos do que informação ao jornalismo.
Fazer questão de não cobrir as histórias de violência e as de boas ações de grandes organizações faz com que nosso noticiário fique protegido dos dois extremos que costumam ser os rótulos para as periferias: de um lado, a cena e o autor do crime, do outro, a vítima que tem como única solução recorrer ao assistencialismo. Nós acreditamos que, assim, ampliamos o ângulo de visão sobre o que acontece nos territórios que cobrimos.
O jornalismo escreve a história do presente. Constrói, coleta e distribui narrativas que servem de guia para nossas tomadas de decisão, para nossa reflexão, para o debate sobre o que acontece agora. Escolher a linguagem mais apropriada faz parte desta responsabilidade.
Izabela Moi é jornalista, cofundadora e diretora executiva da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.
iza@agenciamural.org.br