O futuro olímpico está nas periferias
Cléberson Santos
O Brasil superou seu melhor desempenho no quadro de medalhas em Tóquio 2020. Com as finais no boxe, no futebol masculino e no vôlei feminino, o país ultrapassará as 19 medalhas conquistadas no Rio, em 2016.
Isso significa que o Brasil está caminhando para se tornar uma potência olímpica, capaz de alcançar o almejado top 10 que o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) desejou para 2016? Difícil dizer. Principalmente porque o país desperdiçou a chance de se fortalecer esportivamente após sediar os Jogos.
5 dos 6 líderes do quadro de medalhas receberam Jogos Olímpicos nos últimos 25 anos. Apenas Grécia e Brasil estão fora do topo. Todos estes souberam aproveitar o tal “legado olímpico” para formar novos e promissores atletas.
Ao pesquisar o material para uma série de reportagens sobre as periferias e os Jogos para a Agência Mural, percebi que há poucas diferenças no passado, presente e possível futuro dos atletas olímpicos brasileiros.
Há dois perfis principais de atletas no Brasil, os que foram formados por tradicionais clubes da classe média alta, como Pinheiros ou Paulistano, e os que vieram de projetos sociais que recebem jovens vindos das áreas mais pobres das cidades. Os boxeadores finalistas em Tóquio, por exemplo, fazem parte desse segundo grupo.
O Brasil, enquanto país capaz de investir, quase não forma atletas. Os programas existentes como o Bolsa Atleta e o Bolsa Pódio sequer atende todos os atuais atletas olímpicos.
Uma das poucas exceções é o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, equipamento público focado em alto rendimento de São Paulo.
Qualquer criança ou adolescente pode participar das peneiras de lá, treinar, competir e até mesmo ser contratada por algum clube no futuro. Escolhi pesquisar promessas olímpicas para os Jogos de 2024 diretamente no COTD por saber que é um lugar que conta com atletas de todas as regiões.
Porém, é muito pouco que uma cidade do tamanho de São Paulo centralize tantas promessas num único equipamento. Os CEUs, Clubes Escolas e até mesmo os projetos sociais, apesar de terem estrutura, trabalham o esporte como atividade recreativa.
Óbvio que isso é importante, para desenvolver as crianças como cidadãs e as manterem ocupadas em tempo integral. Contudo, chega uma hora que elas são obrigadas a escolher entre o esporte ou o primeiro emprego, às vezes mais cedo do que deveria ser. Não precisava ser assim.
Chegar a uma Olimpíada não deveria ser fruto de uma superação individual, como o Felipe dos Santos, atleta do decatlo que vive em Guaianases, na zona leste, que treina parte do tempo, enquanto trabalha também como motorista de aplicativo. Ao menos 33 esportistas em Tóquio se dividem com outras profissões, mostra levantamento do Globo Esporte.
Ou Ailton, da luta olímpica, que começa a rotina 5h e fica mais de duas horas no transporte até a Brasilândia para poder manter o sonho de um dia disputar a competição.
Propor “mini COTD’s” nas periferias e em cidades menores seria um ótimo começo para que Rebeca Andrade não seja apenas uma inspiração, mas uma meta cada vez mais possível.
Cléberson Santos é correspondente da Agência Mural no Capão Redondo