O desafio de explicar a democracia

Paulo Talarico

Os protestos do dia 7 de setembro levantaram algumas questões: com a situação do Brasil agravada com a alta de preços, a volta da fome e o número de vítimas pela Covid-19, por que ainda tantas pessoas foram às ruas em defesa do presidente Jair Bolsonaro (Sem partido)? 

Embora tenha sido claro que houve uma articulação e financiamento para a ida ao ato antidemocrático liderado pelo presidente, é inegável que parcela da sociedade saiu de casa, pegou trem e metrô para chegar até a manifestação e, muitas vezes, partindo das periferias. 

Essa participação, que é minoritária segundo os institutos de pesquisa, não pode ser menosprezada, e as formas de falar também exigem uma ampla reflexão de todos nós que trabalhamos com jornalismo.

Uma pessoa que vive no meu bairro e ajuda a entregar comida para famílias que estão passando dificuldades esteve no ato. Mesmo num tom de respeito, afirmou que vai até a guerra pelo presidente. Infelizmente, sinto que não é um caso isolado.

Trabalhadores que têm sofrido com a precarização, como motoboys, têm integrantes que são a favor, assim como carregadores e caminhoneiros que vão ao Ceagesp. 

Muitas vezes colocamos esses públicos no mesmo patamar daqueles que financiam a derrubada da democracia –  ou pior, chamamos simplesmente de “gado” por ser absolutamente fanático pelo atual presidente. Creio que a resposta é mais complexa. 

Muitas periferias costumam viver em emergência para garantir a sobrevivência. Com isso, dependem dessas correntes de solidariedade que marcam os bairros. E parte dela vem das igrejas. 

Uma reportagem que fizemos recentemente mostrou como em 10 anos a cidade de São Paulo ganhou uma igreja evangélica por semana. E aqui não é generalizar a posição de seguidores de uma determinada religião, mas entender como parte delas se articula e se torna uma referência importante.

Não é novidade que a falta de serviços que atendam a população sempre levou a chegada de outros tipos de apoio. 

O estado muitas vezes é substituído pelo trabalho da associação de moradores, pelas igrejas, quando não pelo crime. E isso nos coloca numa chave muito complicada. 

O governo, que é o maior responsável pela falta de cuidados maiores na pandemia e que criou um auxílio emergencial que paga pouco mais do que um botijão de gás, é defendido por em tese “acreditar em Deus”. 

Não tivemos fala sobre a fome, não tivemos falas sobre o preço dos combustíveis, sobre a pandemia que vitimou mais de 585 mil pessoas e está perto de 70 mil na Grande São Paulo. Foi falado sobre como derrubar o STF (Supremo Tribunal Federal). 

Esse discurso funciona/tem sentido para quem nunca recebeu exatamente o que exige nossa Constituição. Os direitos à saúde, à habitação, ao saneamento básico, à educação, à cultura, à dignidade, é renegado em diversas periferias. 

Nisso, infelizmente, o discurso fácil de destruir o que está aí segue sendo fácil de seguir, ao mesmo tempo em que é esse mesmo governo que está possibilitando a destruição de todo o sistema. Há claramente uma necessidade de mudança, mas como explicar que é pela democracia que ela virá? 

E também vale entender que nem todos consomem notícias como nós consumimos. Está muito claro para uma parcela imensa da população os danos que foram causados nesses últimos anos e, em especial, com a pandemia. 

Mas para muitos a necessidade de correr para garantir o prato do dia não permite que palavras como “genocida”, “fascista” e “defesa da democracia” sejam impactantes para mudar pensamentos. 

Informar sobre como cada próximo passo antidemocrático pode deteriorar ainda mais o pouco que conquistamos é o grande desafio agora.

Paulo Talarico é cofundador e editor-chefe de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias
paulo@agenciamural.org.br