Precisamos “ouvir” Paulo Freire e os jovens da escola pública

Vagner de Alencar

Além de jornalista, também sou pesquisador em Educação na PUC-SP. Meu projeto de doutorado é sobre a circulação do conceito de “fracasso escolar” a partir da imprensa brasileira e argentina, sobre os sentidos atribuídos pela veiculação da expressão.

Investigação que tem como espinha dorsal os estudos iniciados no mestrado, que concluiu que, por décadas, o “fracasso escolar”, resumidamente, era um problema do aluno (pobre, de escola pública), ora do professor. Sempre de um indivíduo, não do sistema. 

Foram analisadas mais de 100 reportagens, artigos e até classificados (sim, havia anúncio de clínicas de psicopedagogia vendendo a solução para o fim do “fracasso escolar”). Em mais de 90%, apenas vozes de pesquisadores e/ou fontes oficiais. Não havia a voz do “chão de escola”, de estudantes, professores ou diretores. 

Trago aqui o resultado desta pesquisa para traçar um breve paralelo com a cobertura atual. Infelizmente, em muitos casos, em vez de realizar uma cobertura que possa ajudar a população a questionar os problemas educacionais, ao contrário, ela é simplificada. 

Ficamos um ano e meio com as escolas de portas fechadas. Os impactos negativos causados pela pandemia na educação foram imensos e poderão ser sentidos a longo prazo.

De acordo com relatório do Banco Mundial, dois a cada três estudantes brasileiros podem não ter aprendido a ler, de maneira adequada, um texto simples aos 10 anos.

A exclusão digital e a falta de conectividade ajudaram ainda mais a agravar o aprendizado dos mais pobres. 

A missão do jornalismo, em seu papel fiscalizador, é mirar para os dados educacionais, olhar para os rankings, entrevistar os representantes do poder público. Mas, principalmente, não sucumbir a eles.  

É preciso escapar da superficialidade, ouvir quem faz a educação no dia a dia, a tão falada comunidade escolar, que é formada por estudantes, professores, diretores, merendeiras… 

Afinal, é muito fácil encontrar em editorias de educação em jornais de grande circulação, blog de escola particular que certamente a pauta nunca será a fome.
Nesta semana, em que se celebra o centenário de Paulo Freire (1921-2021) no próximo dia 19, lançamos na Agência Mural uma editoria com reportagens quinzenais sobre o tema.  

A primeira delas trata sobre o retorno das aulas ao abordar profissionais da educação que relatam medo, falta de protocolo e alunos com fome. 

Por aqui seguimos buscando “ouvir” os ensinamentos deixados pelo pedagogo, referência em educação não só no Brasil como no mundo, e especialmente os jovens das escolas públicas.

Lembrar o centenário de Paulo Freire é celebrar este grande pensador que se dedicou a uma educação conscientizadora e libertadora e criou um método inovador de ensino com foco na transformação social, que segue como modelo em muitas salas de aula.  

Apesar do governo tentar apagar, em vão, a história de Paulo Freire, que possamos não somente festejar o legado deixado por nosso patrono, mas continuar a lutar (e a escrever, sem superficialidade) por uma educação melhor.

Afinal, como já disse ele no livro “Pedagogia do oprimido”: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.”

Vagner de Alencar é cofundador e diretor de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias