Pós-pandemia nas periferias?
Paulo Talarico
Apesar das falhas e dos escândalos sobre compra de vacinas, a vacinação tem avançado e tivemos nos últimos meses uma queda considerável no número de casos e mortes por Covid-19, o que tem trazido esperanças.
Temos noticiado cada vez mais o quanto as medidas de quarentena foram sendo deixadas de lado – seja pela necessidade de trabalhar, pelo cansaço de um ano de pandemia ou só pelo descaso.
Esse momento de retomada tem levantado uma questão importante para os próximos meses. Ano passado, nosso diretor de jornalismo Vagner de Alencar escreveu aqui como ler notícias sobre o pós-pandemia se um preto morre todo dia? Com quase um ano depois daquele momento, como estamos nas periferias?
No Google, o pós-pandemia teve alta nas buscas em janeiro, época em que começava a se desenhar a segunda onda e o pior momento da crise sanitária no Brasil. Novamente agora há uma alta na procura por essa informação.
Em setembro, tivemos pouco mais de mil mortes por Covid-19 na Grande São Paulo. Houve meses em que registramos quase 4 mil em apenas uma semana. Ainda assim, há muito cuidado a tomar.
Em uma reunião de pauta com a rede de correspondentes da Agência Mural, discutimos se já chegamos ao momento de falar sobre essa perspectiva e o que nos espera nos próximos meses.
A ideia era justamente refletir sobre o atual momento da Covid-19, nas regiões que sofreram mais com a mortalidade dessa doença e com o impacto da perda de renda por conta da falta de apoio (com um auxílio emergencial que hoje mal paga o gás de cozinha).
Na conversa, em resumo, dois pontos foram os mais tocados: há uma outra realidade no momento e as medidas de proteção estão cada vez mais perdendo força, mas o alerta de viver com a doença não pode ser menosprezado.
Mais do que um pós-pandemia, o momento é de saber como conviver com a doença, apontou Gabriel Lopes, correspondente da zona leste. E faz sentido.
O receio de quanto a Covid-19 ainda pode matar não pode sair do norte da nossa missão de informar. O uso de máscaras ainda precisa ser relembrado, enquanto não tivermos todos imunizados e, ao mesmo tempo, com a certeza de que outras variantes não serão ainda mais nocivas.
Essa emergência se mostra ainda mais importante quando a circulação em comércios volta cada vez mais ao normal, assim como o mercado de rua, que já voltou há bastante tempo. Vale lembrar que, por conta da necessidade, para muitos, os planos de contenção sempre foram uma grande ficção.
Mas se vamos ter de conviver com a Covid-19, como isso se dará? Essa foi outra parte importante da conversa.
A falta que a escola faz na vida dos estudantes é um dos nossos maiores problemas. Para que escola estamos voltando? Quais as condições de professores e alunos para esse retorno em um país que muda a forma de vacinar ao vento do humor presidencial?
E como as famílias afetadas pela falta de renda estarão até ano que vem, dado o agravamento das desigualdades e o aumento dos preços?
Como fica a questão da alimentação e os direitos trabalhistas neste momento? Com as mudanças que vêm ocorrendo, como os moradores estão se virando? E quais foram os aprendizados que tivemos e que vamos ter de colher para o futuro?
Ainda existem muito mais questões que respostas. E são todas indagações que podem nortear um pouco o que precisaremos nos debruçar, provavelmente nos próximos anos.
Paulo Talarico é cofundador e editor-chefe de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias
paulo@agenciamural.org.br