O lugar onde vivo esteve no pódio da Olimpíada de Língua Portuguesa

Vagner de Alencar

Quarta-feira, dia 20 de outubro: eu chorei diante de centenas de  estudantes do 3º ano do ensino médio de escolas públicas de todo o Brasil. Convidado a falar na 7ª Olimpíada de Língua Portuguesa para semifinalistas do concurso, a emoção, literalmente, subiu ao pódio. Todos nós ganhamos. 

As lágrimas foram inevitáveis quando a imagem de Deusane e Luzimar, professoras de uma das escolas por onde passei, em Barra do Choça (BA), surgiu logo no começo de minha apresentação.

Na imagem de sete anos atrás, elas mostravam em um painel fotos e crônicas usadas para estimular seus alunos na categoria “crônica” da Olimpíada de Língua Portuguesa daquele ano. No painel estava eu. 

Os textos retratavam o cotidiano do povoado que havia ficado para trás assim que me mudei para Paraisópolis, segunda maior favela de São Paulo.

Palestra para estudantes semifinalistas da categoria “Artigo de Opinião”, na 7ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa (Reprodução)

Nesta semana, falar com estudantes na Olimpíada foi resgatar essa lembrança. Foi poder ler de Lucicarla, moradora do povoado onde cresci na Bahia, a seguinte mensagem. “Eu era dessa época. Você me inspirou a gostar de escrever”. 

Entre inspirações, tive o prazer de estar acompanhado, nesta Olímpiada, por Cintia Gomes, diretora institucional da Agência Mural.

Ela mostrou para os estudantes como um jornal escolar, criado durante o ensino médio, foi a fagulha para, anos mais tarde, acender a chama pela profissão de jornalista e, assim, poder escrever as histórias não contadas sobre seu bairro. 

O bairro do Jardim Ângela que, em 1996, foi considerado o mais violento do mundo pela ONU (Organização das Nações Unidas). 

Cintia sabia que havia mais (e outras) narrativas a serem contadas. O que vem fazendo nos últimos dez anos.

“Nascer e estar na periferia é algo que a gente carrega conosco. Nas reportagens da faculdade, eu sempre queria escrever sobre o meu bairro, contar o que via e não encontrava nos grandes veículos”, contou aos alunos. 

Na apresentação, Cintia apresentou imagens do Regaço, o jornal escolar produzido por ela junto com outros colegas, de palestras com jovens e até da participação na bancada do programa Roda Viva, da TV Cultura, quando foi convidada a entrevistar o secretário de educação do estado de São Paulo. 

Enquanto há dez meses, ainda no pico da pandemia, Cintia entrevistava, ao vivo e em rede nacional, o secretário, nesta semana, com o avanço da vacinação, acompanhamos a obrigatoriedade da “volta à escola” em São Paulo e em alguns estados do país. 

Diante desse momento, que ainda exige cautela e cuidados, continuo a defender a necessidade de ouvir os jovens da escola pública. Dos semifinalistas da Olimpíada, buscamos escutar o que tinham a dizer — ou melhor, pudemos ler o que puderam nos escrever. 

E foram várias perguntas. Giovana, por exemplo, pediu dicas e quis saber como identificar se uma fonte é realmente confiável, Lorrana perguntou como nos sentimos representados ampliando a voz dos moradores das periferias, já Adriel questionou como será a Mural daqui a dez anos.

O papo rendeu. Cintia e eu os aconselhamos a sempre questionar de sites e links duvidosos, ler mais, visitar diferentes portais de notícias para realmente tirar à prova uma determinada informação, e se pautar sempre na ciência. 

Dissemos que nosso futuro será continuar a contar ainda mais histórias. Quem sabe em outros e mais lugares.

As lágrimas emocionadas do começo da conversa virtual se converteram em sorrisos largos ao longo de mais 60 minutos. Embora não tenhamos podido ver minúsculos ícones com os rostos dos estudantes, ler a mensagem de um deles, o José Daniel (“Incrível, uma das melhores palestras que já participei”), simbolizou perfeitamente o que escrevi no começo deste texto. 

Nesta Olimpíada cujo mote foi “O lugar onde vivo”, todos nós ganhamos.

Vagner de Alencar é cofundador e diretor de jornalismo da Agência Mural de Jornalismo das Periferias