O jornalismo das periferias ocupando a universidade
Tamiris Gomes
Quando me formei em jornalismo, no ano de 2014, sequer havia disciplinas no curso que conversassem sobre meios alternativos de comunicação, muito menos algo que contemplasse o tipo de notícia produzida sobre e nas bordas da cidade de São Paulo.
Felizmente o cenário vem mudando. Maior presença de alunos pretos, periféricos e de escolas públicas, além de professores engajados dentro das universidades, têm criado espaços de discussão antes pouco prováveis.
Um exemplo foi o bate-papo online que pude participar nesta sexta-feira (29) com alunos da disciplina chamada “políticas públicas e direitos humanos”, na Universidade Mackenzie. A intenção era discutir as práticas de cobertura nas periferias e estava ali representando o trabalho da Agência Mural.
A conversa contou também com a presença de outro “muralista”, o Luiz Lucas, correspondente no Jardim Ângela, na zona sul, e jornalista do coletivo Desenrola e Não Me Enrola. O repórter do R7 Kaique Dalapola, cria do Grajaú, que atuou na Ponte Jornalismo e também contribuiu para a Mural, completou o time.
Uma das perguntas que nos fizeram — e percebo ser uma inquietação constante dos alunos não moradores das periferias — trata-se do “que fazer para não errar na hora de escrever e entrevistar alguém da quebrada?”.
Nesse momento, recorremos aos 10 Princípios da Cobertura Jornalística das Periferias, material desenvolvido em 2015 pela equipe da agência. Esse guia nasceu justamente depois de experiências com universitários que repetiam as mesmas dúvidas.
O material não tem a pretensão de apresentar fórmulas prontas, mas pode ser usado como ferramenta para auxiliar na desconstrução dos estereótipos e tornar a comunicação sobre essas áreas mais precisa e objetiva.
Um dos pontos discutidos com os estudantes foi o de tentar não comprovar as próprias teses durante uma reportagem. As periferias têm sujeitos diversos, plurais, e é preciso estar pronto para ouvir de fato.
No lugar de discursos engessados e carregados de preconceitos, o caminho é dialogar com os múltiplos sentidos das quebradas, trazendo para a cobertura vozes que são pouco ouvidas na imprensa, no debate de interesse público.
Também citamos nos princípios para lembrar que os moradores em geral, não são “coitados” nem “carentes”, não devem ter a capacidade política subestimada e que as periferias fazem parte da cidade e deveriam ter os mesmos direitos respeitados.
Kaique lembra que quando um repórter chega na periferia como “estrangeiro” precisa ter cautela e ouvir. Não há erro quando existe respeito pela fonte. “Respeita, meu bom, desconhecido pisa fofo, como diz aquele funk [‘Motoloka’] do MC Lipi”, comenta ele.
O olhar menos enviesado sobre as periferias começa assim, pisando fofo, com formação e entendimento do que é a cidade e as desigualdades dos territórios — incluindo disciplinas que aprofundem as diferentes narrativas e abordagens jornalísticas.
E a universidade, que lapida os comunicadores do futuro, é um lugar chave para que esse tipo de troca aconteça.
Tamiris Gomes é editora-assistente da Agência Mural