A presença das mães das periferias no jornalismo
Halitane Rocha
Quando descobri que estava grávida – e de gêmeas -, tive uma nova perspectiva de que tipo de jornalismo eu fazia e para quem fazia.
Antes, pensava pouco nas referências da maternidade e no ponto de vista das crianças. Talvez porque achasse que já não dava conta dos estigmas de ser uma mulher, negra e periférica. Mas, agora, também sou mãe.
Ainda na gestação, após ter ficado desempregada e isso durante a pandemia da Covid-19, tentei fazer o meu planejamento familiar com garantia de laqueadura para evitar outra gravidez não planejada. Só consegui o DIU (ou dispositivo intrauterino) por ser uma gestante de risco.
Na época, meu marido também perdeu o emprego e recorremos ao auxílio emergencial. O dinheiro dava para pagar só o aluguel da casa onde vivo em Cotia, na Grande São Paulo. E naquele momento, familiares e amigos ajudaram a nos manter firmes até voltarmos aos trabalhos.
Na véspera do nascimento da Núbia e da Dandara, de um ano, conheci outras mulheres que eram gestantes de alto risco e também não conseguiram solicitar a laqueadura. Uma delas é obesa e com pressão alta. Ela estava grávida de trigêmeos, mas perdeu um bebê no começo da gestação, além de mais três filhos nascidos.
Como eu estava quase parindo também, não tive condições de tentar pedir o telefone dela para uma futura entrevista, mas a partir dessa experiência escrevi uma reportagem sobre as dificuldades vividas pelas mulheres que não conseguiram laqueadura nem o DIU para se prevenir.
Nesse mesmo dia, conheci outra gestante que precisava sair de Vargem Grande Paulista, cidade vizinha de Cotia, e dependia de carona para chegar ao hospital porque o município em que morava não tem maternidade.
E fiz uma reportagem na Folha falando dessa dificuldade de locomoção de gestantes que já resultou até em uma mulher parir assim que chegou no hospital, no meio do corredor, por causa da distância.
Esse tipo de dificuldade não é incomum na região e um dos fatores é a ausência de mulheres atuando em políticas públicas da cidade.
Durante a eleição 2020 também foi publicada neste jornal uma reportagem sobre a cidade de Cotia não eleger uma vereadora há 32 anos.
Além disso, o texto da Agência Mural levantou a discussão da falta de diversidade de gênero nas Câmaras e os impactos disso na sociedade — conseguir uma vaga na creche é um exemplo.
Antes de ser mãe, dificilmente pensaria nessas abordagens para escrever um conteúdo. Isso porque eu também não convivia com mães e crianças. Hoje, começo a entender também como devo repensar minhas pautas com e para as crianças.
A jornalista Mayara Penina, 31, cofundadora do Nós, mulheres das periferias e mãe de Joaquim, 8, também destaca a importância de usarmos esse espaço no jornalismo.
“Ter um filho influenciou na minha cobertura sobre direitos das crianças e como ela está diretamente ligada aos direitos das mulheres mães”, diz.
Grávida durante o último ano da faculdade, o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) de Mayara foi um livro-reportagem chamado “Despertar para o parto – como nascem e como poderiam nascer as crianças brasileiras”.
“Fui pesquisar e estudar parto e gênero. Me dei conta que poucas mulheres me contavam boas experiências de parto, fiquei encafifada com isso”, relembra ela, sobre como foi a escolha do tema da pesquisa.
As experiências anteriores em editorias com foco nas vivências das crianças também levaram a jornalista a criar a newsletter Carambola, que traz conteúdo sobre a primeira infância.
“A proposta é trazer conteúdos que interessem às famílias, educadores, profissionais que trabalham com crianças e também quem não tem filhos”, explica.
Mayara propõe abordar esses temas com uma perspectiva do desenvolvimento integral das crianças e pensando os direitos delas quanto à saúde, política e economia.
Publicações que valorizem as crianças são importantes para garantias de direito e liberdade. Segundo Mayara, o tema não é tratado com prioridade, muitas vezes, porque os filhos costumam ser vistos “como responsabilidade exclusiva das mães”, o que precisa mudar.
“Criança só vai ser prioridade quando for assunto de todo mundo.”
Ela também cita o provérbio africano “é preciso uma aldeia para educar uma criança”, que aponta a responsabilidade coletiva. “A gente precisa que seja levado a sério com políticas públicas e com mudança de comportamento, aí acho que entra o papel do jornalismo, o meu papel”, ressalta.
Papel esse que nós, mães que atuamos no jornalismo, tentamos desempenhar em nossas reportagens sobre maternidade e infância. E que haja maior presença de mães — tanto as mães jornalistas quanto as mães protagonistas de temas jornalísticos — dentro dos veículos de comunicação.
Halitane Rocha é repórter da Agência Mural e correspondente de Cotia