Manual prático do embarque no trem

Agência Mural

Com fones no ouvido e a mochila nas costas, encosto no gradil –cercadinho, ou chiqueirinho da plataforma, como dizemos aqui em Guaianases, zona leste de São Paulo.

Vou me encaixando no meio da gentarada –pessoas que, agora, às 7h30, prefiro chamar de concorrentes. Astuto, dou microcotoveladas com o braço direito numa mulher de bolsa rosa. Sai pra lá, minha senhora, quero dizer.

Tento entrar na frente de um homem que, mais inteligente, me fecha a passagem. Não é bobo, claro. Deve ter anos de experiência em embarque de trem.

Alguns centímetros, poucos que eu consiga, podem me proporcionar um troféu dificílimo de conseguir em horários mais movimentados do dia: um lugar sentado no trem da linha 11-coral da CPTM.

O trem ainda nem entrou na plataforma e a ansiedade toma conta. Quase ultrapasso a linha amarela que resguarda a minha segurança, o que gera um olhar inquisitivo do segurança da CPTM. Nesses tempos de proibições governamentais, o melhor é me manter no meu lugar.

Quantas cotoveladas terei que dar para conseguir um lugarzinho?, penso. Chutes? Empurrões? Rasteiras desleais?

Talvez, quem sabe, se Deus quiser e alguém tropeçar à minha frente, vou me sentar. Confortável, vou poder cochilar por alguns minutos, ler um livro, entrar no Facebook, ou mesmo rir dos azarados que terão que dividir o metro quadrado em pé com outras 8,4 pessoas, segundo dados da própria CPTM.

O trem vem entrando na plataforma, lentamente. Aumenta a expectativa. Posiciono minha mochila na frente do corpo para que ela não fique presa e atrapalhe meu projeto de conseguir um banco vazio.

A composição para e as portas se abrem tão devagar que me dá nos nervos. E agora eu vou e vou, correndo e cotovelando. Aquele banco tem de ser meu, porra!

Seria, com certeza, não fosse a mulher da bolsa rosa me roubar, rápida, este primeiro troféu do dia. Ela se senta, e me olha, triunfante, como se quisesse me humilhar porque é mais habilidosa em matéria de embarque em trens. Se eu não fosse tão tímido, talvez começasse a chorar.

A vida não acaba hoje, minha senhora, muito menos a CPTM. Podemos tirar uma melhor de três no resto da semana, topa?

Leandro Machado, 24, é correspondente de Ferraz de Vasconcelos
@machadoleandro
lmachado.mural@gmail.com

Comentários

  1. Ri muito com este texto, é a mais pura verdade, somos todos competidores. Na parte da manhã é “menos pior” pois todo mundo (ou quase todo mundo) tomou banho pra ir trabalhar, a tarde o bicho pega, tá todo mundo fedido e se vc não conseguir um lugar pra sentar, vai ter um monte de sovaco fedido em cima de vc.

  2. O site que indiquei como meu, não tem nenhuma informação e justamente por isso mencionei na terceira linha de preenchimento antes de escrever um comentário aqui.
    Não entendi seu texto Sr. Leandro Machado, talvez seja meu humor no dia de hoje.
    Moro no subúrbio carioca a 24 anos, atualmente trabalho no Centro, mais especificamente na Avenida Rio Branco, onde apenas é possível chegar (opção 01) de ônibus, saindo com pelo menos duas horas e meia de antecedência pra não justificar atraso, (opção 02) de ônibus expresso pagando quase 4 vezes o valor da passagem normal e ainda assim presa num engarrafamento absurdo na avenida Brasil ou entao, (opção 03 mais rápida e pior) Trem + Metrô. Olha, desculpa, mas acabei de sentir que preciso mudar drasticamente o enredo, cheguei a uma rápida conclusão de que eu moro mal mesmo, o sistema me força todos os dias a me mudar pra zona sul, pra zona norte, Centro, arredores, enfim, eu que preciso me mudar, porque a cidade pro pobre não muda, pelo menos não pra melhor. Pobre sem comparar, porque tenho noção do que muitas famílias passam em questão de necessidades básicas, com metade do meu salário. Adoro a Folha, mais que os jornais do Rj, sei que a situação de transporte em SP é pior que no RJ, mas eu já tenho frases feitas para todo santo dia como “Senhor, ta tudo bem ai ou quer que eu levante logo a saia?” Ou “Meu pai falou: – Estuda, menina” e ouço de volta na maior cara de pau “Desculpa moça” ou então embarcando na brincadeira: “A loirinha ta disfarçada aqui no trem, pra ver quem é educado e cede o lugar “. Se fosse verdade, não salvaria ninguém. Fora os dias que saio do trem pra dar passagem pra quem vai descer e não consigo voltar e prosseguir viajem, todos os dias que chego com a roupa amarrotada no trabalho e todos os jornais, livros, revistas, emails, etc, que não consigo ler nos trens e metrôs as 7 da manhã, muito menos as 17. Sabe a última vez que fui sentada? Poxa, nesse dia eu não tinha um livro na bolsa, foi num domingo, 20 hr. Ao menos não é?
    Desabafei.
    Acho que vou habilitar meu site, até ja melhorei meu humor e gosto mais do seu texto Sr. Leandro Machado.
    Boa Noite.

  3. Leandro, esqueceu de contar do desembarque. É assim: todo mundo lá dentro do trem igual as sardinhas em lata, mas com agravante de não ter o óleo para facilitar. Uma expectativa imensa de chegar na estação, que parece que nunca chega, e se livrar daquela maldição de estar lá dentro respirando o ar, e odor, dos demais companheiros de lida. O trem lentamente, muito lentamente vai se aproximando da estação. Os vidros embaçados num calor de Saara. Como num parto começam as contrações. As pessoas começam a se espremer em direção às portas, iniciando nova competição para ver quem chega primeiro, agora do lado de fora. Dá aquele tranco conhecido como “ajeitando a carga”. Quando finalmente as portas se abrem, as contrações aumentam, espelindo num jato aquele “monte de cria”. Empurrados como bebês que saem do canal, uns sorrindo felizes pela libertação, outros chorando revoltos pelo sofrimento. E tal qual uma maternidade, os trens param na plataforma, expelindo mais e mais povos sofridos todos os dias.

  4. Mentira! É impossível estar atrás da linha amarela e conseguir ser candidato a um banco. Entre a referida linha e a porta do trem, há em media 10 pessoas, no horário de pico.hahahah

  5. Adorei o texto, bem mais que os comentários mal humorados da amiga aí de cima. Que o sistema é uma droga todos nós sabemos, o legal é conseguir ter um olhar bem humorado dele…coisa para poucos.

  6. Só pensar: em Tókio, há milhões de pessoas que pegam trem/metrô todos os dias. A diferença? Educação. Brasileiro é mal educado, não sabe esperar as pessoas descerem do vagão, não cede seu lugar a idosos, deficientes, grávidas. Tudo se baseia em educação.

  7. Prezadas Pessoas,
    O nome de tudo isto é SUPERESTRUTURA foi dado no sculo XIX por Karl Max e estamos no século XXI e nada mudou neste sentido.
    Mas se convocar-mos a população para ir fazer uma passeata contra tudo isto? vai umas 200 pessoas ao passo que sem convite nenhum e ainda ter que pagar para ir mais de 1 milhao de pessoas irão assistir aos jogos da seleção brasileira. QUE PENA NÃO?
    BOA NOITE

  8. Típico comportamento de um mal-educado usuário de transportes coletivos. Ridículo um texto desse, que exalta esse tipo de comportamento. Se fosse uma crônica da realidade, tudo bem, mas pelo que sei, mostra claramente como se comporta o autor do texto nos trens da capital. Só faz espalhar a mentalidade de conformismo em ser gado carregado, desrespeitado pelo poder público e, por isso, desrespeitoso com os demais que dividem o espaço com ele nos transportes coletivos.
    Pelo visto, a tal prática do “Gentileza gera gentileza” passa longe de gente com essa mentalidade! Se houvesse respeito, lugares em bancos deveriam ser para quem necessita deles, ou seja, primeiramente idosos, grávidas, deficientes físicos, pessoas com problema de saúde ou mães e pais com crianças pequenas.
    Mas, realmente, para gente que não tem educação e se presta a ser gado num país sem civilidade, como a tal personagem do texto, o prêmio na vida é apenas 1 banco livre num trem lotado. E conforme-se com isso!

    1. Caro Ricardo, esse texto é uma ironia. É uma pena você não ter pescado. Obrigado pelo comentário. Abs, Leandro

  9. Representou bem Leandro!
    .
    Estou nesta linha a anos mas com o horario das 5 hrs da manhã e passo pela mesma expectativa (a de pegar um banco vazio) e na maioria das vezes ate pego, mas sempre vem alguma senhora (do tipo a da bolsa rosa) depois, com a cara de coitada, e como eu sou o unico tonto que não estou fingindo estar dormindo, acabo tendo que dar lugar a ela… mas a vida segue e apreensão de chegar no horario no serviço prevalece!
    .
    abraços!

  10. Estou com uma bolsa rosa e um tênis que nada combina com a bolsa, mas fazer o que? Não posso usar uma rasteirinha básica que combina com a bolsa porque vou perdê-la assim que entrar no trem. Preciso me vestir para o trabalho como se tivesse indo para a guerra. Logo de manhã já tenho que enfrentar com meus peitos o cotovelo do rapazinho esperto na minha frente na plataforma, tá com uma cara de quem tá disposto de empurrar até a própria mãe! Ok, se é assim que você quer, assim será… Lá vem aquele que é conhecido como “cata louco”, louca eu? Devo ser, minha mãe diz: “você é louca de enfrentar isso todo dia”. Aproveito-me das aulas de pilates que estão me dando força para resistir aos empurrões de todos os lados e da baixa estatura para passar por baixo do rapazinho e da adrenalina para correr até o banco. YES! Sentei, olho para ele e penso: “tava se achando espertão né? Tenho meus truques também”. No fundo fiquei com dó, homem grande com cara de choro é patético, amanhã eu deixo ele sentar, mas hoje não, vou fazer minha palavras cruzadas… de guerra.

  11. Pego essa linha desde que foi inaugurada, em 2000. Guaianazes é a minha prova de bravura. Quem está habituado a embarcar já reparou que há dois tipos de trem, o mais antigo e o mais novo, e o mais antigo para suas portas uns 30 cm mais à frente que o mais novo, que para rente ao “chiqueirinho”. E antes de o trem parar de verdade, o mais esperto já se posiciona no meio da porta, para ser o primeiro a entrar, já tendo olhado pelo vidro qual o assento que está vazio para tomar uma decisão de milésimos de segundo e se dirigir à doida até a ele.
    Isso leva muitas pessoas que moram nas minhas redondezas (entre São Miguel e Guaianazes) a pegar uma lotação até Itaquera, voltar três estações em viagem negativa para poder chegar à Estação da Luz sentado. Acordar quase uma hora antes pra não correr o risco de ser atropelado na entrada do trem em Guaianazes. Uma hora que pode custar integridade física.
    Uma coisa eu posso dizer: o comportamento do chamado “usuário especial” consegue ser mais selvagem. Embarco todos os dias no primeiro carro em razão do meu problema de saúde, e umas contadas vezes cheguei a ver mães caindo com crianças no colo e sendo pisoteadas por senhoras que têm mais força no braço que eu nas pernas. É a verdadeira lei da selva. Farinha pouca? Meu pirão primeiro.

  12. Texto muito bom e engraçado, a realidade diária de quem depende deste tipo de transporte!Abraços

  13. Caro Leandro, em uma próxima viagem de trem, partindo de Guaianases, dê preferência a embarcar no primeiro vagão da plataforma nº 1. No período da manhã ele é reservado para gestantes, idosos e pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Após o embarque deles é permitido o embarque dos demais usuários.
    O interessante e ao mesmo tempo assustador é observar a já relatada chegada do trem na plataforma, a ansiedade destas pessoas aguardando a abertura da porta e fazendo uso da conhecida “gentileza”, onde senhorinhas idosas com problemas de locomoção correm para se sentar, pessoas com muletas empurrando e sendo empurradas, grávidas dando barrigadas, mulheres arrastando crianças pela mão no meio da confusão, tudo isso para conseguir ir sentado. Com certeza você terá muitas histórias para contar……

  14. Cara Paulista como é possível pedir um “Olhar bem humorado” em uma situação como essa? É por termos pessoas com essa mentalidade que nosso País é o que é. Nada me irrita mais do que durante uma viagem dessas, nessas condições, que por sinal sou obrigada a enfrentar todos os dias, ver como as pessoas brincam e riem, acham graça de viverem em desgraça, fazem piada e dói saber que é assim que vai continuar, melhor dizendo, a tendência é piorar pois já que pessoas com a sua mentalidade é tudo que os nossos governantes querem e precisam. Eu não! Quero ser tratada com respeito, pago meus impostos e pago caro e acho que mereço ter um transporte de qualidade e não ser submetida a essa situação, me sinto humilhada em submeter-me a isso e lamento a mentalidade da maioria dos brasileiros que pensam como você!!!

    1. Prezada Jane, às vezes também me irrito com a piada da desgraça, mas creio que temos que entender e separar as coisas: uma coisa é utilizar o recurso da piada para poder ser mais suportável passar por tal situação, outra coisa é a ironia usada no texto jornalístico para chamar a atenção do quanto está insuportável aquela situação. Fiz um comentário/resposta ao texto (acima) como se eu fosse a mulher de bolsa rosa para “brincar” e mostrar que os usuários do trem acabam guerreando entre si na procura em descarregar toda sua indignação em alguém, mas infelizmente tal atitude só serve para aliviar um pouco a tensão daquele dia. Deveríamos “guerrear” não com os nossos pares mas com quem é responsável pela elaboração, aprovação e gestão de atos públicos.

  15. “Nesses tempos de proibições governamentais, o melhor é me manter no meu lugar.”

    Acredite, isso não é pra proteger nada além da sua vida. Ficar na frente da faixa amarela é um sério e enorme risco à sua vida.
    Todo dia passo a 60km/h raspando em IRRESPONSÁVEIS que ficam na beira da plataforma.

  16. Manual prático para embarque no trem, para mulheres

    Roupa – tênis, calça e camiseta. Algo do tipo sandália de tirinha corre sérios riscos de ficar fora do seu pé, assim como saias podem parar no seu pescoço;
    Bolsa – mochila pequena na frente no corpo. Algo maior dificultará sua liberdade de movimentos na hora H;
    Cabelo – curto se não quiser ser confundida com uma mulher das cavernas;
    Maquiagem – a prova d água para resistir a choro e transpiração excessiva;
    Expressão – séria;
    Atitude quando a porta abrir – pensamento firme no propósito de entrar sem cair e sem se machucar, dê um passo largo o suficiente para não cair no vão entre o trem e a plataforma, não olhe para o chão, tente não se segurar em ninguém (você pode ser levada junto). Mantenha os dois pés no chão para garantir lugar. Tente ficar ereta, feche olhos e faça um mantra ou uma oração pedido para aquilo acabar logo.

  17. Tem gente que acha que isso não é verdade. Algumas pessoas fizeram seus comentários, achando engraçado, fantasioso, cheio de razão. Vão lá e prove dilema. Eu andei de trem da CPTM por tres anos, e sei o quanto é difícil. A educação que voce teve, voce perde já no segundo dia, pois é assim mesmo, cotoveladas, empurrões, desrespeito com idosos e grávidas, sujeira, um bando de gente porca jogando coisas pela janela, fumando maconha, celular tocando funk, roubo de fios, calor, pedras atiradas nos vidros, sabotagens, sem contar o descaso das “autoridades”. Não tem nada de engraçado nesse texto e ninguém fica atrás da linha amarela nas plataformas. Mochilas na frente ? É 1 a cada 20 e olhe lá. E voces pensam que alguém espera o desembarque para embarcar ? Pra sair tem que colocar o cotovelo na frente e pra entrar, abri-los como se fosse voar. Educação passa longe. Já vi cada coisa!

  18. Parabéns, me diverti muito com seu texto. Realmente é bem assim, uma disputa na qual vc tem ficar atenta a qualquer movimento, olhar e até mesmo tentar imaginar qual posição seu concorrente irá tomar…O mais importante de tudo é sempre manter o bom humor, afinal, amanhã será um novo dia. A batalha continuará sempre a mesma, mas os concorrentes variam bastante e quem sabe talvez não se tenha a sorte de ser empurrada e cair sentada no banco, como já aconteceu comigo….a gente fica tão surpresa que nem acredita…nesse dia nem tirei um cochilinho no trem (que é maravilhoso) de feliz que e eufórica q fiquei….

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