Coletivo recria a Baixada do Glicério em peça de teatro
Um rio, um rei, um menino e uma região. “A Real Fábula da Cidade Suspensa” narra a história de uma cidade que se espalha as margens de um rio. Em nome do rei ergueram uma igreja, um quartel e um palacete. Deram roupas, um nome e um idioma aos que lá estavam. Levantaram o porto, uma escola, um matadouro, o cemitério e uma forca.
As pessoas nasciam e chegavam. Naquele tempo, um garoto observava e descobria um dos recantos desse lugar: a Baixada do Glicério, na região central de São Paulo.
A peça, resultado de pesquisas do grupo Impulso Coletivo, discute o processo de urbanização do bairro a partir da fábula “A nova roupa do rei” de Hans Christian Andersen.
Para Jorge Peloso, 30, diretor e ator do coletivo, o Glicério “encontra-se alienado de sua história, tanto pelas transformações quanto pelas ações das administrações pública e privada”, citando a venda do cemitério público ou a troca de nomes do Largo da Forca para Praça da Liberdade.
Na última semana, os ensaios da peça foram abertos, na Casa do Migrante, localizada na Paróquia Nossa Senhora da Paz. Ao final das apresentações, uma roda de conversa era iniciada, em que memórias, reflexões e impressões surgiam. “O espetáculo reflete as diferenças sociais em São Paulo”, expõe o engenheiro sanitarista Waldemar Azevedo, 59, pai de Peloso e que assistia ao ensaio.
“Busquei a cidade nos seus recantos idealizados e nos seus espaços negligenciados, marginalizados e invisibilizados. Por esse motivo e por uma das atrizes ser professora no Glicério, o Impulso é levado até lá”, ressalta Peloso.
Essa compreensão é intensificada quando o diretor percebe o prédio recém-construído do arquiteto Ruy Ohtake, na Rua Conde de Sarzedas, e o empreendimento New Way da Brookfield Incorporações, ainda em construção, na Rua do Glicério.
“As cidades são criações, projeções e interferências prodigiosas do espírito humano sobre o ambiente”, aponta.
“Glicério é o lugar dos encontros, das relações humanas, onde as pessoas se permitem ocupar a rua”. avalia a atriz Carol Greco, 31.
GRUPO
O Impulso Coletivo foi criado em 2007 por Jorge Peloso e pela professora de Artes da escola Duque de Caxias, no Glicério, Marília Gabriela Amorim, ex-alunos de Artes Cênicas da UNESP.
O grupo trabalha com técnicas de treinamento do corpo elaboradas pelo LUME, Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da UNICAMP. Atualmente, tem em sua formação, além dos fundadores, a documentarista e fotógrafa Alícia Peres e a atriz Carol Greco. Mais informações sobre o grupo no site.
Carina Barros, 30, é correspondente do Glicério
@carinabarros
carinabarros.mural@gmail.com
SAIBA MAIS:
– Projeto de jornalismo em escola conta histórias do Glicério
– Lixo, consumismo e rolezinho são temas de peça de teatro na zona norte de SP
– Projeto leva karaokê e peças de teatro para as ruas de Pirituba
Nasci em 1962 e morei até 1970 na R. Oscar Cintra Gordinho, no ap 89, do edifício Império. Frequentei a igreja da Paz no prézinho. Em 1970 mudei para Rua Tamandaré, 64, próximo da Rua Lavapés que deu nome à 1ª escola de samba de SP, presidida pela saudosa madrinha Eunice. Resgatar a história do bairro é falar da malhação de Judas na Rua do Lavapés, dos times de várzea, do Pq. Shangai, dentre muitas outras coisas. Desde 1996 já não moro mais lá, mas as lembranças da infância, da adolescência e de um período da idade adulta estão e estarão sempre presentes em nossas mentes e corações.
Olá, Paulo!
Agradeço as referências que traz aqui em seu comentário. Todas elas serão de alguma forma resgatadas. O Impulso Coletivo faz uma crítica ao abandono dessas memórias pelo espaço que a especulação imobiliária tem hoje no Glicério. Ao retratar essas questões por meio teatro, portanto, por meio do corpo, nos convidam a pensar a cidade e que cidade que queremos. Em maio, o grupo estreia a peça na Casa do Migrante. Fica aí o convite para conhecer de perto o trabalho do coletivo. Obrigada mais uma vez, Paulo.
Sempre percebi, ainda sem muita consciência, a mudança da paisagem da cidade por onde passei. Depois envolvida na militância das lutas sociais, comecei a perceber que essas mudanças tinham tudo haver com as decisões políticas, com diferenças de classes, com poderio econômico…Agora, aos meus 51 anos de idade, como estudante de antropologia passo a compreender sob uma nova dimensão e amplitude muito como aponta o grupo impulso coletivo através de uma leitura crítica ao abandono das memórias seja pelo poder publico com as politicas de tombamento sempre distantes das lutas populares, pela especulação imobiliária, pelas normas sociais construídas quase sempre arbitrariamente que não ajudam a sociedade a ter dimensão de sua própria história e identidade. E as cidades cada vez mais submersas, invisíveis…
Está semana estive no Glicério. Fui ao Departamento de Pericias Médicas do Estado de São Paulo. Ao ver as pessoas que ali moram ou possuem comércios nas calçadas, me perguntei como teria sido aquele bairro em outras décadas. Percebi em meu trajeto que ninguém me notava, estava eu ali passando como se fosse um fantasma. Resolvi pesquisar e saber o motivo de um bairro tão central ficar da maneira que esta.