‘Maioridade não deveria ser a discussão’, afirma jovem do Jabaquara
Às 6h, o relógio dispara na casa de João Inácio,16. Aos poucos, o escuro na residência vai dando espaço às luzes acesas. O silêncio noturno se mistura ao barulho que vem da rua. Como uma orquestra, o bairro acorda.
João é o primeiro a levantar. Como toda manhã, prepara a mochila, pega os livros e vai para a escola que fica a 600 metros de casa, no Jabaquara, zona sul da capital paulista. Assim como em muitas periferias, a iluminação pública é deficiente, o que faz o adolescente redobrar a atenção no caminho.
Antenado, acessa a internet e confere as últimas notícias. Durante os últimos meses, um tema chamou a atenção dele e de outros colegas da escola: a aprovação da redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados. Para ele, um ‘golpe’ para a periferia.
“Em um país onde os direitos básicos ao jovem não são respeitados, a redução da maioridade não deveria ser a discussão”, afirma. O tema que teve grandes embates neste ano, tramita agora no Senado.

João mora com o pai, João Luiz, 53, a irmã Maria Luiza, 25, e os dois sobrinhos, Olívia, 3 e Marvin, 1. Na casa, a opinião é unânime. “A solução não é reduzir, é a educação”, diz o adolescente de voz estridente, característica da idade. Após as aulas, divide o tempo entre as aulas de dança, violão e as atividades do grêmio estudantil, onde assumiu o cargo de diretor de esportes.
Ele também divide seu tempo com as reuniões da Conferência da Juventude, onde foi convidado a assumir o cargo de delegado com outros adolescentes da mesma idade. “Lá, na conferência o pessoal também é contra esse projeto de redução”, completa.
Nem sempre foi morador da periferia. Chegou a morar nos bairros da Vila Mariana e Ana Rosa, considerados nobres na cidade.
Negro, ele conta que já sofreu preconceito na saída do antigo colégio na Santa Cruz. “Um homem buzinou, me abordou e começou a gritar me chamando de macaco, me senti muito mal. Voltamos a morar no Jabaquara, onde já residimos antes”.

“Certa vez estava indo comprar pão para minha avó como sempre vou, de chinelo e bermuda, uma viatura da PM (Polícia Militar) me abordou, foram violentos, me trataram como um lixo, um nada”, comenta João.
Segundo a Anístia Internacional, por meio do projeto Jovem Negro Vivo, apenas 0,013% dos jovens em todo território nacional cometeram atos contra a vida, enquanto os homicídios ocupam 37% das causas de morte juventude. Ao todo, 70% das vítimas de homicídios são negros, segundo a entidade.
Confiante, João espera que o projeto não seja aprovado. “O que precisa ser revisto é a educação. Os únicos que serão atingidos com essa medida são os jovens negros, pobres e de periferia”, finaliza.
O texto da PEC (173/93) que altera a maioridade penal de 18 para 16 anos foi aprovado em duas votações na Câmara e está no Senado, onde também terá de passar por duas votações. Não há prazo para a votação.
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Vagner Vital, 25, é correspondente do Jabaquara
@vagnervital
vagnervital.mural@gmail.com
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Muito boa a matéria, Vagner! Expressa bem a realidade do jovem da periferia!
Parabéns!
Uma questão não elimina a outra. Sem duvida que a redução da maioridade penal é necessária, pois conforme o proprio entrevistado sabe muito bem o que é certo e errado
Os textos de Contardo Calligaris sobre o tema da maioridade penal (publicados aqui mesmo na Folha) são definitivos. Merecem leitura e reflexão.
Quanto ao racismo, é óbvio que ele deve ser extirpado o quanto antes, e antes de mais nada, das mal preparadas forças policiais. Agentes de segurança devem ser treinados para reconhecer criminosos e condutas criminosas, e não para atuar a esmo com base em preconceitos e estereótipos.
Por fim, estatísticas parciais (que não revelam todas as variáveis envolvidas) têm pouca serventia. Uma verdade incompleta transforma-se, muitas vezes, em uma inverdade.