Crise leva artista africano a vender obras nas ruas de São Paulo
Um minuto e quinze segundos. Aproveitando o rápido intervalo de fechamento do semáforo, na movimentada avenida Brasil, nos Jardins na zona oeste de São Paulo, o artista nigeriano Chikezie Paul, 47, abre um sorriso e aborda os motoristas que aguardam no cruzamento.
Naquele local, na frente de uma loja em reforma, desde o final de 2016, ele cria e vende suas pinturas em acrílico. É uma saída “quase desesperada” de viver da arte, decisão que Chikezie tomou há algum tempo, após experimentar diferentes profissões.
Morador da zona norte de São Paulo, na Vila Medeiros, ele retrata em suas telas cenas e memórias do continente africano, somadas às experiências brasileiras. Sua família é de Lagos, na Nigéria, e faz parte da tribo Igbo, uma das quase 300 daquele país.
Em 22 anos de Brasil, o artista fez incontáveis bicos, foi ajudante de cozinha, feirante e deu aulas de inglês, antes de decidir retomar a atividade de pintor, iniciada na Nigéria.
Sua carreira registra exposições em espaços culturais alternativos, como restaurantes, bares e até salão de beleza, mas também mostras na Fábrica de Cultura, Museu do Jaçanã e Galeria Olido.
“No ano passado, minha vida piorou muito. As galerias particulares e as oficiais cortaram verbas para as exposições, o mercado parou e decidi trabalhar na rua”, comenta.
Antes de chegar ao Brasil, o artista viveu momentos de aventura. Com 21 anos e sem dinheiro, decidiu sair da Nigéria e cruzou vários países africanos, atravessando o deserto do Saara.
O destino seria o Marrocos e dali para a Espanha, mas uma doença inesperada o fez retornar ao país natal. Seu último emprego foi como tripulante de um navio cargueiro com destino ao Brasil.
No porto de Santos, decidiu abandonar o trabalho e se estabeleceu naquela cidade, mudando depois para São Paulo. A intensa história de vida do nigeriano foi contada no Mural, e também foi tema de matérias no Guia Folha e na revista sãopaulo, em 2015.
Hoje, Chikezie produz seu próprio material de trabalho. Objetos recicláveis coletados nas ruas se transformam em telas e molduras para as pinturas. Usando um traje típico africano ou uma roupa mais formal, o nigeriano não abandona a esquina onde trabalha, nem para almoçar.
“Compro um marmitex, aqui na rua mesmo, ou um pacote de bolachas. Só vou comer com calma mesmo em casa, lá pelas dez da noite”, revela. “Viver e sobreviver de minha arte sempre foi um sonho”, repete sempre, com os olhos fixos no movimento da rua, enquanto aguarda o semáforo ficar vermelho, mais uma vez.
Sidney Pereira é correspondente da Vila Maria
sidneypereira.mural@gmail.com
A arte esta em todos os lugares basta apenas olhar ao nosso redor .Parabenizo o correspondente Sidney pela matéria.