O voto dos meus pais e avós: as lembranças da primeira eleição nas periferias
No mês das crianças e das eleições, decidimos mexer no baú de nossas lembranças e contar algumas memórias das eleições na infância dos correspondentes da Agência Mural nos anos 1990 e 2000.
O período coincide com a passagem do voto em cédulas de papel para urna eletrônica e o primeiro contato com as eleições vai desde caminho percorrido com os pais ou avós, a cabine de votação e a primeira percepção sobre o que é democracia.
Gabriela Costa, correspondente do Campo Limpo, na zona sul
Em 2002, a caminho da votação, minha mãe lembrou que eu já sabia ler: “Vai ajudar a vó”. Ela, que só aprendeu a assinar o nome para poder votar sob o cabresto do pai, tinha dificuldade com a urna eletrônica. Por 16 anos, votar foi nossa tradição, minha honra. Eu colocava o número, ela confirmava. Neste ano, a tradição acaba. Minha avó disse que não quer ir se arrastando votar em quem não se importa com gente como ela. Mulher, analfabeta, pobre e nordestina.
Aline Kátia Melo, correspondente da Jova Rural, zona norte
Morava na Vila Medeiros ia a pé para a escola. Andar de ônibus era algo incomum. Mas meu pai votava no Jardim Brasil e minha mãe votava na Vila Maria, bairros diferentes, ambos na zona norte.
Os dois iam de ônibus. Cada um ia para uma direção. Às vezes eu e minha irmã íamos com minha mãe, às vezes eu ia com meu pai. E às vezes dava até para ir com os dois, de manhã com um e a tarde com o outro. Lembro deles entrando na cabine, depositando voto na urna e, claro, pegava os santinhos no chão.
Diogo Marcondes correspondente do bairro de Cidade Ademar, zona sul
A minha primeira lembrança de eleição é de 1994. Fui com a minha mãe à escola onde ela votava – que viria a ser a escola onde estudei da 6ª série até terminar o ensino médio.
Eu tinha apenas sete anos na época. Queria muito saber como era a cédula de votação, mas fui impedido porque o voto é secreto e não poderia ter duas pessoas na mesma cabine.
Ira Romão, correspondente de Perus, zona noroeste:
Em meados da década de 1990, lá estava eu, diante da TV, assistindo o horário político e fazendo anotações aleatórias para concluir um trabalho escolar. A proposta dos professores era conscientizar os alunos – e futuros eleitores – sobre a importância do voto e da democracia.
Mas devo confessar que, para mim, era puro martírio acompanhar as intermináveis propagandas em que as palavras eram esbravejadas, repetitivas e, muitas vezes, sem sentido.
Letícia Marques, correspondente da Cachoeirinha, zona norte
Em 2002, tinha 6 anos de idade. Meus avós sempre foram muito humildes, moradores da Brasilândia, zona norte de São Paulo. Meu avô fazia carreto para o Partido dos Trabalhadores, levando as pessoas que iriam panfletar em alguns pontos da cidade. Não tinha noção do que era eleição, mas entendia que, se aquele homem fosse eleito meu avô manteria o emprego e minha avó conseguiria uma renda extra para manter os mantimentos da casa. Fiquei feliz com a eleição do presidente Lula, não pelo partido, mas pelos meus avós.
Luana Nunes, correspondente da Barragem, zona sul
Meus pais nunca estudaram e só sabem escrever os próprios nomes. Então sempre “torceram” pelo partido que estava fazendo algo pelo povo, mas era só torcida já que eles não votavam efetivamente. Meu pai justifica, minha mãe não. Lembro que não tinha noção de política, mas sabia quando era a votação porque sempre, no dia anterior, fazíamos uma força tarefa em casa para achar o título do meu pai. No domingo bem cedo eu ia com ele a pé pela linha do trem, até a escola que eu estudava. Chegando lá, sempre quis ver a urna e não entendia o motivo do meu pai só assinar um papel e voltar.
Raquel Porto correspondente do bairro de Cidade Líder na zona leste
Lembro que nos anos 1990 meus pais votavam na mesma escola em Artur Alvim, na zona leste. Então a gente saía cedo, pegava o ônibus, cuja passagem custava apenas R$ 0,85, e lá encontrava um mar de santinhos tanto na mão de quem entregava (porque na época ainda podia) quanto no chão da rua. Dentro da escola a gente se dividia: a minha mãe com a minha irmã, meu pai comigo ou vice-versa. Eles não me deixavam marcar o X na cédula. No entanto eu podia colocá-la na urna, o que adorava. Depois a parte mais legal era ir na casa da avó Bete para tomar sorvete.
Paulo Talarico, correspondente de Osasco, Grande São Paulo
Na primeira eleição que me recordo, em 1998, pareceu um dia divertido. A eleição marcou porque um ex-prefeito de Osasco disputava o governo do estado e ia bem nas pesquisas. A apuração só disse, dias depois, que ele havia perdido. Mas o mais legal foram os famigerados santinhos. Para alguém com oito anos, ver tantos papéis à disposição era um barato. Fui coletando um por um. Minha mãe votava em Osasco e meu pai em Jandira, na Grande São Paulo. Então, pela manhã atuei como um coletor osasquense e à tarde na cidade vizinha. Mas veio a chuva e eles molharam. Acabou a coleção.
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