Jovem cria peça que enaltece cultura africana e indígena
Kátia Flora
Inspirado na própria trajetória, o ator e bailarino Yago Micall, 26, escreveu em 2017 textos sobre a história de um homem negro que mora na periferia, e uniu esse cenário à cultura afro-brasileira. Do trabalho, nasceu a peça “O Canto de Odé”, em cartaz neste mês de fevereiro nas periferias de São Paulo e da região metropolitana.
Foi em cima da laje de um sobrado em Diadema, no ABC paulista, que os ensaios foram feitos ao longo do ano passado, ao lado dos músicos Fábio Olí, 28, e Jerona Ruyce, 35.
Yago diz que o trabalho foi também o resgate da ancestralidade. Ele pegou como referência autores como Abdias do Nascimento (1914-2011), criador do Teatro Experimental Negro, Maria Carolina de Jesus (1914-1977), autora de Quarto de Despejo, e da filósofa e ativista norte-americana Angela Davis.
“A peça tem o intuito de enaltecer a cultura negra e dos povos indígenas que resistem no Brasil”, diz Micall, morador do Jardim Flor da Montanha, na periferia de Guarulhos, na Grande São Paulo.
O jovem vive da arte desde pequeno e fazia peças na escola. Bailarino, chegou a cursar teatro na faculdade, mas teve que trancar porque surgiu uma oportunidade de uma apresentação em outro estado.
Micall foi também para a Coreia do Sul, com um grupo de teatro da Argentina, para uma apresentação de dança e gestos – não havia fala. Quando retornou ao Brasil, teve a ideia de criar uma peça que contasse a origem afro-brasileira e a luta do negro para conquistar espaço na sociedade.
O CANTO DE ODÉ
O nome Odé vem da cultura iorubá, um dos idiomas utilizados na Nigéria, e significa um jovem caçador. O iorubá também é usado no Brasil em ritos religiosos como o candomblé.
Na encenação, ele simboliza um menino negro que absorve transformações herdadas pelas raízes afro-brasileiras, indígenas e africanas.
A laje onde ensaiaram é chamada de “sobradinho do som” e fica na casa do músico Fábio Olí. Ele diz que o espetáculo retrata os Odés urbanos, jovens que estão na batalha diária e lutam para combater o racismo e as desigualdades sociais.
“Um menino da mata, do asfalto e da vida. Mostramos que é possível outras possibilidades da arte de resistência”, conta.
A peça dura 1h20 entre dança e texto e a apresentação do documentário “Caboclas Juremas – Sobre Histórias de distintas mulheres”, gravado em Belém do Pará e nas periferias de São Paulo. O cenário tem folhas, terra e água, como nos terreiros de candomblé, quando entram os orixás.
Em dezembro de 2017, os artistas fizeram a primeira apresentação na Fundação Casa em Diadema para mais de 70 jovens.
Agente cultural da Fundação, Jerona Ruyce, 35, foi responsável por levar a apresentação para os jovens internos. “Eles se sentiram representados pelo Odé (menino caçador) que luta para sobreviver na mata. Parecido com as histórias de alguns que estão privados da liberdade”, comenta.
Jerona fez alguns instrumentos a mão, como triângulo e chocalho, que compõem a passagem sonora da obra.
Os artistas fazem parte do coletivo Arquivo 2, em São Paulo, fundado em 2015, por Yago Goya (diretor da peça) e Yago Micall (ator). O coletivo foi contemplado no ano passado pelo Programa VAI (Valorização de Iniciativas Culturais), incentivo financeiro importante para a temporada dos artistas.
Micall ressalta as dificuldades de montar uma peça na periferia, falta de recursos e espaços. Como cada integrante tem outras atividades, eles chegam a ensaiar até oito horas de uma vez com cantos, textos e danças.
“É um desafio sair das salas de teatro e ir para locais públicos e apresentar para pessoas que nunca viram uma cena teatral. É gratificante mostrar a cultura em vários aspectos”. O grupo quer agora levar o espetáculo para outras cidades e estados.
Kátia Flora é correspondente de São Bernardo do Campo
katiaflora@agenciamural.org.br
VEJA TAMBÉM:
Com aumento, Guarulhos cria três preços diferentes de passagem
Jota.pê lança canção e vê bom momento para os negros na música