Cotia faz aniversário e entra no mapa das batalhas de poesia
Halitane Rocha
A cidade de Cotia, na Grande São Paulo, completa 163 anos nesta terça-feira (2), em um momento em que aumentam as manifestações artísticas na região. Nos últimos anos, o município ganhou diversos movimentos culturais, em especial na Praça Joaquim Nunes.
Ali, se realiza o Sarau na Praça, a Batalha de Rap, e, agora, a localidade também entra no mapa dos Slams do estado de São Paulo.
Os slams (Batalha de Poesia Falada em inglês) têm tomado cada vez mais espaço nas periferias da capital e na Grande São Paulo. Em Cotia, foram criados dois: o Slam do Mangue e o Slam Raiz, que estrearam em março.
Toda primeira quinta-feira do mês, o grupo vai se encontrar na Praça Joaquim Nunes, a partir das 19h. A próxima apresentação será no dia 4.
Cada um deles tem uma característica. O Slam do Mangue é para poesias sem limite de tempo para performance, e o Slam Raiz são para poesias curtas, com apresentação de até 10 segundos.
A iniciativa partiu dos poetas frequentadores e organizadores do Sarau na Praça, em Cotia, Slam Emancipado, em Itapevi, e Slam Oz, em Osasco.
Os vencedores das primeiras batalhas foram a poetisa Néthelyn, no Slam do Mangue, e o Alquimista, no Slam Raiz.
Poetisa desde os 5 anos, Néthelyn Alexia, 18, descobriu as batalhas há menos de um ano. “O primeiro slam que eu fui, foi no Slam das Minas no ano passado. A [poetisa] Mel Duarte viu que eu estava tremendo e segurou minha mão até o final. Fiquei em segundo lugar”.
Após a primeira experiência, Néthelyn perdeu aos poucos o medo e participou de outras competições. O Slam do Mangue foi a primeira vez que terminou em primeiro lugar. “Escrevo muito sobre preconceito racial, indígena [por causa da minha avó] e depressão porque sofro com isso há anos. O slam nos motiva a sempre escrever mais e ter reconhecimento”, completa.
“Do Negro e do branco sempre ouço falar,
Mas do índio nem em jornal vejo comentar
E por isso desde criança esse dia passei a odiar
Pois deles temos que lembrar todos os dias
Temos negros e negras se beijando
E logo teremos
Índios e índias se beijando
Pois essa luta vou apoiar
E como Valdelice Veron da tribo de Kaiowá falou
“Terra, justiça e demarcação!!!”
Sempre irei gritar,
Pois o sangue dos meus ancestrais indígenas
Se depender de mim
Jamais sumirá!”Néthelyn Alexia, 18
Mas nem todo poeta se redescobriu recitando versos. Alquimista, ou Gustavo Barreto, 23, iniciou a carreira na adolescência, cantando e frequentando batalhas de rap para divulgar suas músicas. Até que um dia percebeu que as letras também eram poesia.
“Há dois anos eu compartilhei um vídeo de um cara recitando e me chamaram para ir ao Slam Resistência, o mais conhecido [de São Paulo]. Lá eu descobri o que era um slam e depois me interessei em começar a batalhar”, comenta o poeta.
“Geralmente não levam a poesia a sério. Você fala que é poeta e as pessoas perguntam: ‘Mas trabalham com o quê?’ Chegar em casa e poder mostrar que ganhei algo com minhas poesias é muito bom”, completa.
Os jovens afirmam que o slam é um movimento cultural importante para as periferias. “Além de ser ferramenta de transformação social, gera toda uma rede cultural entre diversas cidades e estados. Nosso objetivo é fortalecer ainda mais a cultura marginal e periférica”, diz Lucão Poeta, 21, um dos organizadores dos slams.
A competição de poesia falada surgiu em Chicago, nos Estados Unidos, em meados dos anos 1980, no mesmo período que o hip hop. Todo ano, em dezembro, é realizado o Slam BR, o qual reúne os melhores poetas do país. São escolhidos 25 campeões dos principais Slam’s de cada estado para a batalha nacional que dura cinco dias.
Em 2018, o evento foi realizado no Sesc Pinheiros, na capital paulista. A grande campeã foi a Pieta Poeta, de Minas Gerais. Ela garantiu a vaga para a Copa do Mundo de Poesia Falada, em Paris (Grand Poetry Slam), deste ano, ainda sem data divulgada.
Para contar a melhor a história deste movimento cultural, em 2017, foi lançado o documentário “SLAM: A Voz do Levante”. A produção viajou até os Estados Unidos para mostrar as origens das batalhas e mostrou o movimento atual em São Paulo.
REGRAS
Nas regras das batalhas, os poetas devem apresentar poesias autorais. Cinco pessoas da plateia podem ser escolhidas como juradas e dar uma nota de 0 a 10 para cada poeta. Os que tiverem maiores notas se classificam até a fase final.
Os participantes não podem utilizar nenhum tipo de instrumento musical para realizar a apresentação. Apenas a voz ou performance com o corpo, como bater as mãos.
Em toda edição, os vencedores do Slam do Mangue & Slam Raiz recebem um troféu e mais um prêmio. Na primeira edição, os primeiros colocados ganharam uma tatuagem e um livro.
Halitane Rocha é correspondente de Cotia
halitanerocha@agenciamural.org.br
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