Jornalistas falam de estratégias para desplugar e manter a saúde mental

Cleber Arruda

Encher o lar de plantas, maratonar séries e “realities”, guardar o dinheiro das baladas, fazer  terapia on-line, comprar brinquedos de sex shop, caminhar por quilômetros aleatoriamente até cansar e fofocar, fofocar muito. 

Essas são algumas das atividades listadas por nossa rede de correspondentes quando perguntada sobre o que tem feito para manter a saúde mental no cotidiano. 

Ser jornalista e lidar com números letais assombrosos, desmentir fake news e retratar nossa sociedade faz parte de nossa rotina cercada por desafios, que inclui até concentração e, por vezes, a difícil arte de desligar. 

A maioria dos meus colegas de profissão está em trabalho remoto, o “home office”, há mais de um ano. Nosso presidente nos chama de  “idiotas, mas nós sabemos que estamos isolados não apenas para nos proteger, mas para proteger os outros, já que ficar em casa reduz o risco de contaminação, ou seja, circulação do vírus. 

Não é fácil também saber que estamos no país com o maior número de jornalistas mortos por Covid-19. Segundo levantamento da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), 169 profissionais morreram entre abril de 2020 e março de 2021 em decorrência da doença. 

Somente no primeiro trimestre deste ano, foram 86 vítimas, uma média de 28,6 óbitos por mês. São Paulo dividiu com Pará e Amazonas o primeiro lugar dos estados com mais mortes. Foram 19 em cada.

Sabemos da importância do jornalismo feito nas ruas, mas também estamos informados e informando o tempo todo sobre a necessidade de manter o máximo possível as regras de isolamento social. 

Um pouco dessa nossa adaptação inicial foi contada aqui há mais de um ano, quando começamos a transformar nossos lares em escritórios. 

E é nesse contexto que buscamos alternativas para espantar a solidão, o tédio e as angústias. 

Reunião online com correspondentes das periferias de Salvador. Encontros virtuais também servem para falar sobre os problemas nesses dias (Reprodução)

Passamos a viver mediando a relação entre o que é pessoal e profissional, os limites entre casa e escritório, onde nos isolamos e buscamos moldar novas rotinas de lazer. Claro que há nisso um privilégio em podermos tentar manter minimamente as regras de distanciamento. Mas há também a tentativa constante de mantermos o equilíbrio para não sairmos da casinha diante da realidade noticiada e a virtualidade imposta. 

Afinal, como já falamos, cuidar da saúde mental nas periferias, onde moramos, é um assunto essencial. Em nossas rotinas, aprendemos ou desenvolvemos novos hábitos nesse decorrer.

Meu amigo Vagner de Alencar, diretor da Agência Mural, teve de mudar de casa e desde então costumo brincar que ele está criando uma floresta em seu apartamento. Tem plantas em todos os cômodos. É perceptível como esse cuidado floresceu em muitos lares. “Nunca fui muito de cultivar plantas. Depois que passei a morar só, elas se espalharam pela casa. Além de companheiras, o verde me dá certa esperança de dias melhores”, diz. 

Já no meu caso, entrei para o crescente número da audiência de serviços de streaming no país. Estou entre os 58% dos brasileiros que afirmaram ter visto mais vídeos e TV-online por streaming pago durante a pandemia, segundo estudo Inside Vídeo, da Kantar Ibope Media.

Fiz algumas assinaturas e recentemente maratonei séries e filmes. Me empolguei com a saga dos oito filmes de Harry Potter, que nunca havia assistido, e a sequência dos quatro filmes dos Jogos Vorazes, finalizada em dois dias. Boas distrações para um quase insone com inveja das longas horas de sono tranquilo do seu cachorro. 

Mas emoção mesmo encontro no grupo de fofoca que criei no Whatsapp com minha mãe e minhas tias. A ideia é me atualizar sobre as tretas e os casos de família. Além de receber assistência para receitas e cuidados da casa, fofoco muito com amigos da rede. 

Diferentemente desses rolês, o nosso editor-chefe Paulo Talarico costuma uma vez por semana caminhar por quilômetros sem um destino pré-determinado. Diversifica os percursos entre as cidades de Osasco, Carapicuíba e Barueri, na Grande São Paulo. “Durante a caminhada eu ouço podcast e tiro fotos aleatórias dos lugares por onde passo. Uma caminhada boa rende três podcasts”, contabiliza. 

Num ritmo mais frenético, o repórter Lucas Veloso prefere correr pelas ruas da zona leste, diariamente, pelas manhãs, logo após o café. “Correr me ajuda a pensar na vida, ver pessoas e sair malhado”, diz Veloso, que passa pelos bairros de Guaianases e José Bonifácio, e aproveita o momento para garantir a frequência das redes sociais. “ faço stories no fim de semana para não cansar minha audiência.”

Atividades físicas também fazem parte da rotina de Joyce Melo, correspondente de Sussuarana, em Salvador. “Faço meditação, yoga, exercícios físicos, além de ir na orla andar de bike. Isso me equilibra mais. As videochamadas com as amigas também ajudam muito.” 

Mãe das gêmeas Núbia e Dandara, de 7 meses, a correspondente de Cotia Halitane Rocha diz ter crises de ansiedade desde os 14 anos e lista algumas atividades para se manter bem. 

”É com a minha família que encontro o meu conforto. Gosto de sentir o cheiro das minhas bebês e tomar um vinho ou uma breja com o meu marido, fazendo fofoca sobre gente famosa ou bolados com a situação atual do Corinthians”, conta. “É difícil sair com as gêmeas. Então, todo dia de consulta e vacina pra mim é um rolê e eu ganho a semana. E apesar do cansaço do fim do dia, a gente ainda assiste nossas série”, ressalta.

Daniel Brito, correspondente de Valéria, também em Salvador, diz que tenta escapar de alguns temas em suas redes sociais. “Algo que ajudou muito foi silenciar no Twitter palavras relacionadas à pandemia, vacinação e política. Também silenciei todas as páginas de notícias no Facebook e Twitter”. 

Esse distanciamento pessoal no mundo virtual proposto por Daniel vale como regra para muitos de nós nas horas vagas, já que profissionalmente não há como escapar. Na prática, esses são nossos materiais de trabalho.  

Para além de todas essas atividades e distrações, a percepção em nossas conversas é de que a nossa saúde mental está abalada sim, seja com o constante estado de alerta ligado nas notícias que publicamos ou no dia a dia com nossas famílias e comunidades. Tivemos perdas em nossos lares e bairros; não está nada fácil. 

Para nos confortar, reservamos alguns minutos em nossos encontros virtuais para compartilhar essas sensações e emoções. Quase que uma terapia coletiva. E, em rede, aprendemos a importância de que precisamos ter cada vez mais cuidado e empatia para nos fortalecer.

Cleber Arruda é cofundador da Agência Mural e editor do projeto em Salvador