Dupla lança clipe sobre a cultura rap em Mogi das Cruzes

Jéssica Silva

Com versos sobre a supervalorização dos likes nas redes sociais, o clipe “Mogi é Nóis Que Tá” foi lançado em março e mostra as raízes do rap na região do Alto Tietê, na Grande São Paulo.

Produzido por moradores de Mogi das Cruzes, a letra foi escrita pelos músicos Niw Rapper e Acme S.A.M, em parceria com DJ Kriador, que fez a melodia. O clipe foi gravado em uma barbearia próxima ao centro da cidade.

A ideia de falar sobre o município surgiu do rapper Clayton Gomes, 38, conhecido como Acme S.A.M, que escreve rimas em Mogi desde 1999. Ele queria falar da cidade e sobre o que o rap representa.

Para ele, hoje em dia os artistas buscam aparecer na internet e obter likes (curtidas), sem pensar no papel da música.

“A música é muito mais que like e flow [domínio do ritmo da letra junto às batidas do som]. Quando se pensa somente na fama, se perde a essência de que a música serve para transformar. A gente fez a música para a galera escutar e se alertar”, explica.

“Sou enjoado mesmo
Formado eu sou mesmo
Dizem que sou marrento
Mas talento aqui tá tendo
Aonde essa merda chegou?
Só fala de like e de flow!
Respeito quem ta no topo
Mas a base foi quem me formou

Além disso, a ideia é mostrar como o movimento surgiu no município. “Se a gente for parar pra pensar sobre o que é rap, as pessoas sempre vão estudar os Estados Unidos, e se esquecem da essência, de como começou o rap na própria cidade”, diz Joel Antônio Bonifácio, 26, o Niw Rapper.

“Quando a gente fala ‘Mogi é nóis que tá’, a gente não está se referindo a eu e ao Acme. Mas à cidade. Não precisa só idolatrar quem faz rap em outros lugares, a gente pode fazer o rap também. A gente pode emergir com o rap”.

Acme e Niw participavam da Batalha em Mogi (Jéssica Silva/Agência Mural/Folhapress)

PARCERIA DE DEZ ANOS

Acme e Niw se conheceram em 2009 pela antiga rede social Orkut. Niw tinha acabado de entrar no ensino médio onde começou a fazer rimas e sempre ouvia falar do Acme. “Se você faz rap em Mogi e não conhece o Acme, você não faz rap”, brinca Niw.

Foi então que decidiu procurá-lo na rede social e marcaram de se encontrar em uma Batalha de MCs, realizada até hoje na Arena MC, no centro de Mogi. “Foi ali que a gente pegou mais amizade, conheceu mais gente e várias pessoas começaram a rimar a partir dali”, diz Acme.

“Vim da Arena. Toda sexta-feira tem show, movimento que existe até hoje. Esse monstro aqui do meu lado que criou”, relembra Niw.

A batalha teve início em 2010 e foi a chave para rap crescer no município. De acordo com Acme, as pessoas queriam fazer rimas, porém não tinham um lugar para isso. Foi quando eles começaram a rimar na rua e começaram a aparecer MCs dos bairros afastados do centro como Jundiapeba, Cézar de Souza e Brás Cubas.

“No começo tinha quatro MCs na chave de batalha, e era uma briga para ter oito. Hoje em dia se você vai lá tem 32 fácil”, conta.

Acme não faz mais parte da organização do evento, mas sempre que consegue passa por lá. “A batalha não é minha, não é do Niw, não é nossa. A gente criou, mas é a molecada que vem vindo que tem que dar continuidade, a batalha é movimento.”

VIDA DUPLA

Morador do bairro da Vila Rachel, Acme se divide entre a música e o trabalho com designer e edição, o que possibilitou que ele mesmo editasse o clipe. Ele já realizou alguns trabalhos solos e participou do Grupo Nivel de Cima. Não foi a primeira vez que escreveu sobre Mogi.

“Desde que eu comecei na música, sempre gostei de escrever sobre Mogi, falar que a gente é daqui e que somos do interior mesmo, por que tem gente que não acredita”, diz.

Niw mora no Jardim Ivete e ganha a vida como chapeiro. Esse é o segundo em parceria com Acme.  A dupla contou com amigos para a criação do clipe e agora já pensa em um novo episódio.

“A gente acredita muito nessa união e nesse movimento dessa cultura. É um movimento e uma cultura e aconteceu tudo naturalmente”, diz Niw.  “A gente quer dar continuidade”.

Jéssica Silva é correspondente de Mogi das Cruzes
jessicasilva@agenciamural.org.br

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