Moradores de São Bernardo tentam evitar fechamento de salas do EJA
Girrana Rodrigues
“Já sei fazer conta de tomar emprestado [somar e subtrair]”, conta Gracineide de Souza Barros, 58, a Graça do povo Pankará, como é conhecida. “Não sei ler um livro, mas palavras pequenas eu já sei”, ressalta.
A indígena moradora da Vila São Pedro, na periferia de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, é uma das alunas da EJA (Educação de Jovens e Adultos), que viu a sala de aula quase ser fechada por não ter o mínimo de alunos exigidos pela prefeitura.
No segundo semestre deste ano, 45 salas de aula foram encerradas e seis escolas deixaram de oferecer essa modalidade de ensino, de acordo com levantamento do Sindserv-SBC (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais e Autárquicos de São Bernardo do Campo).
A prefeitura alega que a medida faz parte da “reorganização” do modelo e exige que as turmas tenham ao menos 20 alunos para sequência das aulas.
A gestão municipal é a responsável pela EJA, uma modalidade de educação que atende jovens e adultos a partir dos 15 anos com aulas de alfabetização e de outras disciplinas das séries do ensino fundamental.
Graça alega que foi preciso “lutar” para assegurar este direito. Natural de Pernambuco, ela não frequentou a escola quando era mais jovem por falta de oportunidade. Casou-se aos 17 anos e precisou cuidar dos filhos e dos irmãos.
Há cerca de quatro anos começou a cursar a EJA na escola municipal Erminia Paggi, localizada a menos de 1 km de onde mora.
No começo de agosto, porém, a direção avisou que seriam transferidos. “Pedi para uma amiga que sabe escrever melhor do que eu para ajudar a fazer um abaixo-assinado e no outro dia fizemos um protesto em frente a secretaria de educação”, afirma.
Há dois anos, a estudante indígena fez uma cirurgia no pulmão e tem dificuldade para percorrer grandes distâncias. “Se fosse transferida para uma escola mais longe eu teria que parar de estudar. Além disso, já acostumei com meus professores”, aponta.
Os alunos convidaram conhecidos para se matricular e evitar o fechamento. Como a sala atingiu o número de 20 alunos, a Prefeitura desistiu de encerrar a turma.
A estudante Anajara de Jesus Ferreira não teve a mesma sorte. Neste semestre foi obrigada a trocar de escola.
A escola municipal Salvador Gori teve as quatro turmas encerradas e ela foi transferida para o CEU (Centro Educacional Unificado) Celso Augusto Daniel que fica 3 km mais longe. “Saímos às 22h30 e a nova escola fica em um local pouco iluminado, parado”, reclama.
Ela parou de estudar quando engravidou, aos 17 anos, e entrou no EJA aos 36. “Espero meu marido chegar do trabalho para cuidar das crianças, tenho duas meninas pequenas. Quando ele não chega, eu tenho que faltar”, disse.
O maior medo da estudante é que os colegas desistam da EJA e a nova escola também tenha as salas encerradas.
Receio semelhante ao de José Pereira da Silva, 45. Filho de pais analfabetos, ele trabalha como vigilante durante o dia e é aluno à noite.
Retomou os estudos neste ano na escola Marineida Meneghelli de Lucca e precisou procurar novos colegas para evitar que a turma fosse fechada. “Chegamos aos 20 estudantes. Estamos por um”, brinca.
Ele tem receio que algum colega desista do ensino. “Meu filho está na sétima série. Eu estou na oitava. Tenho que aprender para ensinar para ele”, afirma.
FALTA DE TRANSPARÊNCIA
Os dados sobre educação no município são antigos. O último Censo do IBGE (2010/2011), aponta que havia 18.419 pessoas não alfabetizadas e 152.958 moradores que não terminaram o ensino fundamental em São Bernardo.
Uma professora do EJA que não quis se identificar afirma que a reorganização pode piorar a qualidade do ensino. “Não posso dar a mesma aula para um aluno que já sabe ler e outro que ainda tem dificuldades”, contesta.
O Sindserv-SBC ingressou com uma ação civil coletiva para exigir que as salas fossem reabertas. Além disso, foi solicitada a suspensão da exigência do número mínimo de alunos.
Ex-aluno da EJA e presidente do Sindserv-SBC, José Rubem afirma que a prefeitura de São Bernardo se nega a fornecer informações de quantas escolas foram fechadas.
O sindicato organizou um abaixo-assinado para a permanência das salas de aula que já conta com mais de 2.000 assinaturas. A oposição na Câmara Municipal também afirma que irá acionar o Ministério Público. “Meu mandato vai acionar o MP contra essa ação da prefeitura de desmonte da educação”, diz o vereador Joilson Santos (PT).
O Ministério Público de São Paulo deu o primeiro parecer favorável à ação do sindicato. O tema ainda aguarda decisão judicial.
Em nota, a prefeitura de São Bernardo afirma que “a abertura de turmas para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é feita de acordo com a procura” e que segue uma resolução da Prefeitura de São Bernardo aprovada em agosto de 2015, que determina o número de 20 alunos.
“Caso as unidades escolares não atinjam este número, poderão reorganizar os alunos em agrupamentos multisseriados. Se este número for inferior a 20, os alunos podem ser remanejados para a escola mais próxima ou da escolha do estudante”, ressalta a gestão.
Não foram fornecidos dados solicitados de quantidade de alunos matriculados em 2018 e 2019. A administração afirma que tem divulgado o programa com cartazes afixados nas escolas.
Girrana Rodrigues é correspondente de São Bernardo do Campo
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