Em Guaianases, grupo Trem de Cordas une canções e contação de causos
Sheyla Melo
Do gosto pelo som do violão junto com a contação de causos e poemas, moradores de Guaianases, na zona leste de São Paulo, criaram o Trem de Cordas. O grupo se apresenta há 12 anos na região com músicas e histórias do mundo caipira, urbano e nordestino.
Formado por um jardineiro, educadores e um músico, o grupo faz apresentações diferentes de um show convencional. “É uma proposta de escuta, vem na contramão e desacelera. É um convite para uma outra relação com o tempo”, conta o professor de ciências Renato dos Santos, 36.
“É uma arte que dialoga com a vida das pessoas e nos faz parar a correria do dia para ouvir uma composição ou uma história feita por pessoas daqui. Tento fazer o que fizeram comigo, politizar por meio da música”, diz Tiganá Macedo, 37, educador social e pesquisador de samba.
O conjunto traz letras que falam sobre trabalho, infância e o cotidiano do povo do brasileiro. Um exemplo é a música “Homem Passarinho”, que aborda a moradia. “Eu tô cansado feito um homem passarinho, quero terminar meu ninho pra chuva não me molhar”.
O músico Nando Oliveira, 58, compara a história do Trem com o antigo Clube da Esquina, quando Milton Nascimento, Lô Borges e Flávio Venturini se reuniam em uma esquina para tocar nos anos 1960 em Belo Horizonte (MG).
“Todos os mineiros eram músicos com carreira solo e com muito talento. Essa versatilidade as pessoas apontam ter no Trem”, diz Oliveira.
Para ele é difícil enquadrar o Trem de Cordas em um ritmo. Aponta influências do MPB, samba e xote. “Temos uma valorização da música autoral e tocar o que a gente mesmo produz”.
NO JARDIM
Fernando Couto, 43, é poeta e jardineiro. Da rotina com as plantas diz que saem muitas produções que o grupo executa. “O fazer jardim me ajudou a fazer a arte e a relação de trabalho com o Trem é muito diferente do que aqueles que estamos acostumados, produzimos para nós mesmos”, afirma.
Ele é autor da música Broto de Oliveira.
As transformações da cidade também são abordadas pelo grupo. “Há 50 anos, meu pai nadava no [rio] Tietê”, ressalta. “Os caipiras estão na cidade, esse sotaque, o jeito nordestino está na gente por mais que sejamos urbanos, essa periferia que é essa mistura de povo está presente”, ressalta.
Já Renato veio do Vale do Paraíba, interior de São Paulo, antes de morar em Guaianases. Segundo ele, os mestres caipiras e as lavadeiras vieram do interior para as margens da cidade de São Paulo.
“As composições falam de uma saudade de algum lugar e mostra o quanto a periferia é múltipla. Quem está aqui, vem de outra periferia, que é a roça”.
No entanto, ele enfatiza a dificuldade de ser trabalhador e músico. “É lidar com o cansaço, falta de grana, se descolar dos espaços [escola – casa – local de ensaio], falta de estrutura, fazemos a música que é possível sem a grana para comprar um novo instrumento ou ensaiar no estúdio.”
Sheyla Melo é correspondente de Cidade Tiradentes
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