Mural https://mural.blogfolha.uol.com.br Os bastidores do jornalismo nas periferias de SP Mon, 27 Dec 2021 13:12:41 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Em Guaianases, grupo Trem de Cordas une canções e contação de causos https://mural.blogfolha.uol.com.br/2019/10/21/em-guaianases-grupo-trem-de-cordas-une-cancoes-e-contacao-de-causos/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2019/10/21/em-guaianases-grupo-trem-de-cordas-une-cancoes-e-contacao-de-causos/#respond Mon, 21 Oct 2019 19:36:30 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/3-1-320x213.jpg https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=16897 Sheyla Melo

Do gosto pelo som do violão junto com a contação de causos e poemas, moradores de Guaianases, na zona leste de São Paulo, criaram o Trem de Cordas. O grupo se apresenta há 12 anos na região com músicas e histórias do mundo caipira, urbano e nordestino.

Formado por um jardineiro, educadores e um músico, o grupo faz apresentações diferentes de um show convencional. “É uma proposta de escuta, vem na contramão e desacelera. É um convite para uma outra relação com o tempo”, conta o professor de ciências Renato dos Santos, 36. 

“É uma arte que dialoga com a vida das pessoas e nos faz parar a correria do dia para ouvir uma composição ou uma história feita por pessoas daqui. Tento fazer o que fizeram comigo, politizar por meio da música”, diz Tiganá Macedo, 37, educador social e pesquisador de samba.  

O conjunto traz letras que falam sobre trabalho, infância e o cotidiano do povo do brasileiro. Um exemplo é a música “Homem Passarinho”, que aborda a moradia. “Eu tô cansado feito um homem passarinho, quero terminar meu ninho pra chuva não me molhar”.

Grupo Trem de Cordas na apresentação Estação Dolores, no Patriarca, zona leste de São Paulo (Sheyla Melo/Agência Mural/Folhapress)

O músico Nando Oliveira, 58, compara a história do Trem com o antigo Clube da Esquina, quando Milton Nascimento, Lô Borges e Flávio Venturini se reuniam em uma esquina para tocar nos anos 1960 em Belo Horizonte (MG). 

“Todos os mineiros eram músicos com carreira solo e com muito talento. Essa versatilidade as pessoas apontam ter no Trem”, diz Oliveira.

Para ele é difícil enquadrar o Trem de Cordas em um ritmo. Aponta influências do MPB, samba e xote. “Temos uma valorização da música autoral e tocar o que a gente mesmo produz”.

NO JARDIM

Fernando Couto, 43, é poeta e jardineiro. Da rotina com as plantas diz que saem muitas produções que o grupo executa. “O fazer jardim me ajudou a fazer a arte e a relação de trabalho com o Trem é muito diferente do que aqueles que estamos acostumados, produzimos para nós mesmos”, afirma. 

Ele é autor da música Broto de Oliveira.

As transformações da cidade também são abordadas pelo grupo. “Há 50 anos, meu pai nadava no [rio] Tietê”, ressalta. “Os caipiras estão na cidade, esse sotaque, o jeito nordestino está na gente por mais que sejamos urbanos, essa periferia que é essa mistura de povo está presente”, ressalta.

Já Renato veio do Vale do Paraíba, interior de São Paulo, antes de morar em Guaianases. Segundo ele, os mestres caipiras e as lavadeiras vieram do interior para as margens da cidade de São Paulo. 

“As composições falam de uma saudade de algum lugar e mostra o quanto a periferia é múltipla. Quem está aqui, vem de outra periferia, que é a roça”. 

No entanto, ele enfatiza a dificuldade de ser trabalhador e músico. “É lidar com o cansaço, falta de grana, se descolar dos espaços [escola – casa – local de ensaio], falta de estrutura, fazemos a música que é possível sem a grana para comprar um novo instrumento ou ensaiar no estúdio.”

Sheyla Melo é correspondente de Cidade Tiradentes

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Com artistas negros, ‘Prot(agô)nistas’ leva o circo para o Theatro Municipal https://mural.blogfolha.uol.com.br/2019/05/08/com-artistas-negros-protagonistas-leva-o-circo-para-o-theatro-municipal/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2019/05/08/com-artistas-negros-protagonistas-leva-o-circo-para-o-theatro-municipal/#respond Wed, 08 May 2019 20:10:22 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/WhatsApp-Image-2019-05-08-at-15.32.55-320x213.jpeg true https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=16174 Lucas Veloso

22 rostos. Tem gente mais risonha, outras mais sérias. Os cabelos. Alguns armados, outros cacheados ou com dreads. São artistas negros de todos os cantos da cidade. É assim o elenco de ‘Prot(agô)nistas. O movimento negro no picadeiro’.

Era carnaval quando o diretor e artista circense Ricardo Rodrigues, 45, nascido e crescido em Guaianases, zona leste de São Paulo, recebeu o convite para montar uma apresentação que tratasse dos artistas negros. O resultado final seria apresentado no Festival Internacional de Circo, em abril deste ano, no Centro Esportivo Tietê.

Deu certo. Agora o espetáculo entra em única apresentação no Theatro Municipal da cidade, onde será o primeiro do projeto Novos Modernistas, em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna, nesta quarta-feira (8).

Logo depois do convite para criar o espetáculo, Rodrigues estava com uma música na cabeça: ‘Dos Róla’, de Elias da Silva, 38, o Dica L. Marx, um paulistano de Ermelino Matarazzo, também na zona leste.

Espetáculo fará estreia no Teatro Municipal (Mariana Ser/Divulgação)

A música fala sobre violência policial: Tamo cansado dos róla / Dessas batida no lombo / Bala perdida / eu quem tombo”. Também compara as periferias com as senzalas onde viviam escravos no século passado. “Favela ‘ind’é senzala / Vamos fazê-la quilombo!”

Dica também participa do espetáculo. É o contrabaixista na banda criada para a apresentação. “Estar num espetáculo que junta circo, dança e música, trouxe uma energia muito boa, tanto da plateia quanto do grupo para fazer acontecer”, relembrou Dica.

“Prot(agô)nistas traz a mais forte bandeira de luta e resistência das pessoas negras no Brasil: a pele”, destaca Rodrigues. “O circo e as artes, nacionalmente, sempre foram espaços ocupados pela classe-média alta e nesses setores não há muitos negros com recursos e tempo para se dedicarem com exclusividade à produção artística”, completa.

Na produção, o público assiste aos números tradicionais do circo, como acrobacias, tecido, perna de pau, faixa aérea, malabares, palhaço e bailarina, além de musicais da banda, como as faixas “Neguinha Sim”, de Renato Gama, “Linda e Preta”, de Jarbas Bitencourt e “Nascimento”, de Melvin Santana.

Em meio aos números, ainda tem o Gumboot, dança popular com botas de borracha, criada pelos trabalhadores das minas de carvão, ouro e diamantes da África do Sul, no século 19.

Os nativos sul-africanos, contratados para trabalhar nas minas, criaram os movimentos para se comunicarem entre si. Ao longo do tempo, se tornou manifestação artística.

Tatilene durante apresentação (Mariana Ser/Divulgação)

Moradora do Jabaquara, zona sul, Tatilene Silva,  30, é uma das atrizes que compõem o espetáculo, e realiza um número aéreo na apresentação.

Para ela, o trabalho foi uma mistura de alegria com uma grande responsabilidade, por dividir o palco com artistas que não havia trabalhado. “Isso sem falar que era no encerramento do Festival Internacional de Circo, representando a classe negra artística. Foi uma sensação maravilhosa”, define.

Ocupar um espaço como o Teatro Municipal só com artistas negros é inovador para Rodrigues, se levar em conta as desigualdades sociais enfrentadas na cidade. “No circo é muito comum ver os negros na manutenção da lona e não no show”, pontua.

Apesar das dificuldades, o diretor enxerga um cenário positivo. Para ele, nas últimas duas décadas houve uma expansão de projetos nas periferias paulistanas, para ensinar e fazer a difusão das artes.

Com isso, o ensino das técnicas circenses revelou uma nova gama de artistas acrobatas, trapezistas e palhaços, de maioria negra, que empreendem e abrem espaços pelos picadeiros do mundo.

“Não deveria ser considerado extraordinário a apresentação de um espetáculo feito por negros, num país onde a maioria da população é negra. Mas ainda é.”

SERVIÇO
08 Quarta | 20h
Novos Modernistas – Espetáculo de lançamento – PROT(AGÔ)NISTAS
Indicação etária: Livre | Ingressos: R$ 10
Vendas na bilheteria do Theatro Municipal e pelo site eventim.com.br
Sala de Espetáculos – Theatro Municipal | Capacidade: 1500 lugares

Lucas Veloso é correspondente de Guaianases
lucasveloso@agenciamural.org.br

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‘A poesia salva os moleques’, diz menino poeta da zona leste https://mural.blogfolha.uol.com.br/2018/12/01/a-poesia-salva-os-moleques-diz-menino-poeta-da-zona-leste/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2018/12/01/a-poesia-salva-os-moleques-diz-menino-poeta-da-zona-leste/#comments Sat, 01 Dec 2018 11:59:16 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/8CD78C34-48B5-43F3-AADA-A233B89F63A2-320x213.jpeg https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=14811 Lucas Veloso

Uma professora na zona leste de São Paulo decidiu apresentar literatura para os alunos. Os poetas ali não estão nos livros escolares, mas nas ruas. Moravam no bairro, eram artistas das periferias e, principalmente, estavam vivos, ao invés de apenas no passado.

Foi naquela aula de história, na escola municipal Professora Wanny Salgado Rocha, que Isaac Quaresma, 14, conheceu a poesia. Morador de Cidade A.E. Carvalho, na zona leste da capital, ele começou a frequentar os saraus do bairro e a conhecer mais pessoas que falavam, de maneira rimada, sobre coisas que ele também vivia.  

A primeira poesia de Quaresma foi bem sucedida. Foi escrita para homenagear um amigo da escola que sofreu um acidente. Alguns dias depois de escrita, o menino mostrou para a poeta Mariana Félix, que o elogiou e incentivou a escrever mais.

“Toda escola deveria ter poesia para salvar os moleques, as minas, tá ligado? É importante porque muda a visão dos adolescentes e das crianças”, comenta.

Ele afirma que a escrita ajuda a buscar novas perspectivas.

“Mano, [depois da poesia] mudou bastante de comportamento. A escola era bagunçada, e hoje tem mais disciplina, os moleques escrevem ou fazem uma batalha no intervalo”, exemplifica.

A vida é ritmo e poesia a gente desenrola na função 
O Brasil tá foda 
O sistema faz você ser a favor da corrupção 
[…]
Programado pra morrer nois é
Mas com papel e caneta nois mata esses zé

O palavrão nas rimas, contudo, são questionadas por uma ouvinte fiel, sua mãe. “Ela tem umas restrições porque é bastante religiosa. Se eu falar palavrão na poesia ela já chega dando puxão de orelha. Mas nenhum conselho é à toa, é sempre bom, ainda mais de mãe”, admite.

Isaac costuma dizer que a inspiração para escrever é fruto da vivência no bairro, mas também cita políticos, como o caso da vereadora carioca Marielle Franco: “mataram a mina que tava na luta”. 

Em 2016, foi o vencedor do Slam Interescolar SP, campeonato de poesias faladas entre alunos representantes de escolas do estado de São Paulo, organizado pelo Coletivo Slam da Guilhermina. “Eu era o poeta mais novo. Cheguei lá, falei minhas poesias e, na final, todo mundo começou a gritar meu nome. Mandei minha poesia e ganhei, lembro como se fosse ontem. Estou sendo bastante reconhecido agora”.

Além de ser aluno do nono ano, ele pratica basquete, futebol e vôlei, edita vídeo, frequenta saraus e participa de batalhas de freestyle. Na vizinhança, é conhecido, graças às gravações que já fizeram de suas poesias.

A última conquista do menino, poeta da zona leste, foi o primeiro lugar no Slam Tiquatira, em outubro. Como prêmio, ganhou uma camiseta do campeonato, troféu, além de um livro.

No entanto, ele diz não estar interessado nas premiações. “Se ganhar ou perder, eu vou estar feliz, o que importa é que a mensagem foi passada”.

Lucas Veloso é correspondente de Guaianases
lucasveloso@agenciamural.org.br

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Jornaleiro em Guaianases só lê manchetes e afirma: ‘bancas vão acabar’ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2018/09/30/jornaleiro-em-guaianases-so-le-manchetes-e-afirma-bancas-vao-acabar/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2018/09/30/jornaleiro-em-guaianases-so-le-manchetes-e-afirma-bancas-vao-acabar/#respond Sun, 30 Sep 2018 15:22:54 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/IMG_2840-320x213.jpg https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=14509 Lucas Veloso

Em uma das bancas de jornais mais antigas de Guaianases, na zona leste de São Paulo, além das revistas e jornais, há duas cadeiras. Se por um lado, o movimento caiu, por outro, nunca falta gente para conversar com Laércio Portela, 53, jornaleiro há dois anos por ali. 

Portela assumiu o negócio depois que perdeu o emprego na metalúrgica onde trabalhou durante décadas. Ocupou o lugar de Orlando, jornaleiro anterior que faleceu na mesma época em que estava desempregado. 

Hoje, 30 de setembro, é comemorado o dia do jornaleiro, profissão que tem, aproximadamente, 150 anos de existência no Brasil.  

Foi em 1910 que as primeiras bancas foram criadas em São Paulo. Metalizadas ou de madeira, nasceram para cumprir o trabalho que antes era feito por jovens gazeteiros ou em caixotes.

Hoje, existem cerca de 3.500 pontos de venda de jornais e revistas da cidade, mas há estimativas de que até 1500 foram fechadas nos últimos anos com a queda nas vendas. Carregar bilhete de transporte, comprar doces e até fazer jogo do bicho são situações bem comuns nestes espaços pela cidade.

NÃO LEIO

Portela foi escolhido para assumir a banca, por ser um frequentador e conhecido do antigo dono. No entanto, mesmo rodeado de livros e revistas, ele avisa que não gosta de ler. “Vendo jornal aqui e nem leio, você acredita? Só olho as manchetes, mas sempre fui preguiçoso pra ler, desde que estudava, nunca gostei”, comenta. 

De segunda a sexta, ele abre a banca às 8h30 e fica até 18h, quando vai para casa. Sobre o movimento, ele diz que diminuiu desde 2016. Jornal é o que ele menos vende por ali. 

“Pra vender uma revista é um trabalho, jornal vende muito pouco, no começo vendia bem mais”, afirma. “Acho que se o movimento continuar fraco assim, daqui uns anos, a maioria [das bancas] deve fechar. Estou aqui há dois anos e já caiu muito, imagina daqui pra frente”, prevê.

Por enquanto, o movimento segue no bairro e perto dele há duas outras bancas. Mas o diagnóstico de Portela vem pelo público.

“Geralmente, quem compra jornais e revistas são pessoas com mais idade. Até caça-palavra é gente idosa que compra, porque os médicos indicam, entendeu? Só que, com o tempo, as pessoas de idade vão ficando pior, vai parando de ler, falecem”, completa.

Durante a semana, a banca recebe entre 10 e 12 jornais, mas ele chega a vender apenas metade dos exemplares. O fluxo melhora no fim de semana, quando as 20 edições recebidas são compradas. Ele aponta o preço, R$ 5, como um dos fatores que dificultam a compra.

SANTISTA

Atender um jovem por ali é coisa rara. Eles só aparecem para comprar doces ou gibi. Ele poderia recarregar Bilhete Único, como alguns colegas na redondeza, mas prefere não fazer por ‘dar muita dor de cabeça’ e não lucro.

Santista, Portela gosta de assistir partidas de futebol no tempo livre e o esporte é um dos temas que permeiam as conversas com quem frequenta o local.

Sobre o time do coração, acha que falta investimento. “Tá fraco, tá difícil. Muito jogador ruim no time. O Santos estava bem, é esse ano que tá devagar”, palpitou. O clube chegou a frequentar a zona de rebaixamento do Campeonato Brasileiro, mas se recuperou nas últimas rodadas.

Morador de Guaianases desde os sete anos, Portela  diz estar satisfeito com a região. “Estou aqui desde moleque, não tenho motivos para sair. Aqui tem coisas boas e ruins, como em todos os bairros. E aqui na banca, eu gosto, é legal ficar”, reafirma.

Lucas Veloso é correspondente de Guaianases
lucasveloso@agenciamural.org.br

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Morre historiadora que mapeou influência africana em Guaianases https://mural.blogfolha.uol.com.br/2018/08/16/morre-historiadora-que-mapeou-influencia-africana-em-guaianases/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2018/08/16/morre-historiadora-que-mapeou-influencia-africana-em-guaianases/#comments Thu, 16 Aug 2018 13:55:24 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/Sheila-Alice-320x213.jpg true https://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=14104 Lucas Veloso

Entre 1930 e 1960, o cartório de Guaianases, na zona leste de São Paulo, registrou mais bebês brancos do que negros. No período, havia cobrança para as certidões de nascimento e, por isso, mais recém-nascidos brancos foram registrados. Quando o processo se tornou gratuito, a predominância de afrodescentes voltou a ser maior entre os documentos emitidos.

Esta foi uma das descobertas da historiadora e moradora do bairro Sheila Alice, 35, que morreu na manhã desta quarta-feira (15), no hospital Prof. Dr. Waldomiro de Paula, em Itaquera, zona leste.

Ela não resistiu às complicações de um problema pulmonar. O sepultamento será nesta quinta-feira (16), às 14h, no cemitério do Lajeado.

Sheila fez a pesquisa “Negros em Guaianases: cultura e memória”, para obter o título de mestre em História Social, em 2015, na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. “Onde estão as memórias do povo preto? Foram apagadas das histórias de um bairro que se quer branco?”, dizia na justificativa do projeto.

Ela também fazia parte do Cpdoc Guaianás (Centro de Pesquisa e Documentação), coletivo de pesquisadores da região, além de ser frequentadora da Igreja Batista.

Sheila fez parte do CPDOC Guaianás (Acervo pessoal)

Para os membros do Cpdoc, a morte da amiga foi uma grande perda no processo de estudo e reconhecimento da construção de Guaianases.

“Compartilhamos juntxs conhecimentos sobre a nossa quebrada, construindo e fomentando projetos para o futuro sobre a história e memória dos bairros de Guaianases, Lajeado e Cidade Tiradentes, projetos que ela estaria à frente. Assim foi nessa madrugada, enquanto debatíamos idealizações e concepções do grupo, ela repentinamente partiu!”, diz o comunicado oficial do coletivo enviado para a Agência Mural.

Em sua pesquisa, Sheila usou o termo micro-Áfricas para definir as experiências culturais encontradas em Guaianases, que remetiam aos ancestrais africanos.

“Ela estava ligada com o conhecimento em relação ao povo, sua origem e causas. E isto através de estudos literários e levantamento de campo. Jovem repleta de energia e com uma mega bagagem. Ficou boas lembranças. Guerreira não morre. Sheila Vive”, comentou Almir Siqueira, amigo da pesquisadora e que a conheceu nos trabalhos de estudo sobre o bairro.

A autora denominava o trabalho de pesquisa sobre o tema como forma de ampliar o debate sobre vozes pouco ouvidas nas narrativas históricas.

“Participar dessa experiência negra do bairro e me fazer intermediária de tantas riquezas, tornando-as legíveis ao mundo acadêmico […] tem como objetivo colaborar com o efervescente grupo produtor de reivindicações históricas, resistências e reconhecimentos histórico-culturais que se tem composto pelos movimentos de intelectuais negros no Brasil e no mundo”, diz na conclusão.

Sheila, que faria aniversário no fim deste mês, para se definir usou na última linha da pesquisa um verso musical da cantora Ellen Oléria: “Conhece a carne fraca? Eu sou do tipo carne dura”.

Lucas Veloso é correspondente de Guaianases
lucasveloso@agenciamural.org.br

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Livro de feminista italiana dialoga com vida nas periferias https://mural.blogfolha.uol.com.br/2018/04/05/livro-de-feminista-italiana-dialoga-com-vida-nas-periferias/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2018/04/05/livro-de-feminista-italiana-dialoga-com-vida-nas-periferias/#respond Thu, 05 Apr 2018 19:04:51 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/2-320x213.jpg http://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=13035 Por Sheyla Melo

É possível imaginar os caminhos que um livro faz até chegar às mãos do leitor. No caso do Calibā e a Bruxa, da escritora italiana Silva Federici, a jornada foi um pouco maior para alcançar mulheres das periferias. O livro foi lançado 2004 nos EUA e para traduzi-lo do inglês houve muito trabalho voluntário e união entre mulheres do Coletivo Feminista Sycorax.

O lançamento da tradução em PDF aconteceu em 2016, em um evento em uma escola ocupada em Pinheiros. No ano passado, transformada em livro, com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo e da editora Elefante, a obra foi lançada na Cidade Tiradentes e no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.

Neste ano, o grupo se organiza para um circuito de oficinas e palestras sobre o tema. A primeira delas será em Guaianases, na zona leste de São Paulo, no próximo sábado, 7. O Coletivo Sycorax conversou com a equipe da Agência Mural sobre o projeto.

O texto do livro analisa a história da caça às bruxas na Europa no período da Idade Média e faz uma relação com o capitalismo. Aponta estruturas e padrões que permanecem, como a exploração do trabalho, estratégias para impedir acesso à terra e a perseguição às mulheres.

A fotógrafa Juliana Bittencourt, 31, teve contato com a obra no México, em 2014. Tendo vivido boa parte da vida na Vila Ayrosa, em Osasco, Grande São Paulo, questionou-se como seria se as pessoas do bairro tivessem contato com essas ideias. Lá, viu as pessoas empobrecendo em momentos de crise e os índices de violência contra mulher aumentarem. “É nítido que os locais periféricos possuem muita violência, mas também há muita resistência”, afirma.

A obra já circulava em diferentes países da América Latina, conta Cecília Rosas, 35, formada em Letras e especialista em literatura russa. E por estar na internet, chegou a países de Língua Portuguesa. “Me surpreendi ao saber que a versão produzida por nós está sendo lida em Angola”.

Para Cecília existe uma invisibilidade para o trabalho das traduções, a maioria das vezes o nome dos tradutores não são citados. “É importante destacar que são pessoas que fazem esse trabalho”, relembrando a participação de Aline Sodré.

A advogada e integrante do coletivo, Leila Giovana Izidoro, 26, acredita em uma opressão e caça contra as mulheres potencializada pelo consumo, “elas acabam se endividando para garantir o básico que o Estado não garante, perdendo perspectivas de vida, trabalhando excessivamente. É uma morte lenta e horrível”.

Cientista social, Shisleni de Oliveira, 33, moradora do Itaim Paulista, zona leste de São Paulo, destaca a importância do lançamento do livro ser na periferia. “Não faria sentido fazer e não ser numa quebrada, é importante as ideias da Silvia chegarem aqui, no local onde essa caça acontece de maneira menos mascarada”.

Na tradução, a também cientista social Lia Urbini, 32, descobriu uma bruxa que era camponesa, conhecedora de métodos naturais para controlar a reprodução, que organizava reuniões para pensar soluções de problemas. Muito diferente daquela de chapéu pontudo, com poções mágicas e rituais macabros. Lia expressa que a tradução foi rica em vivências. “A formação pessoal foi também de se descobrir no processo, com diferentes saberes partilhados”.

O livro Calibã e a Bruxa pode ser comprado por 50 reais na página da Editora Elefante ou baixado gratuitamente na página do Coletivo Sycorax neste link. A oficina em Guaianases acontece na Biblioteca Cora Coralina (R. Otelo Augusto Ribeiro, 113 ), a partir das 12h.

Sheyla Melo é correspondente de Guaianases. 

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Professor cria Quebrada Maps para ensinar geografia na zona leste https://mural.blogfolha.uol.com.br/2018/03/29/professor-cria-quebrada-maps-para-ensinar-geografia-na-zona-leste/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2018/03/29/professor-cria-quebrada-maps-para-ensinar-geografia-na-zona-leste/#respond Thu, 29 Mar 2018 18:29:13 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2018/03/1-320x213.jpg http://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=12495 Para ensinar geografia com um olhar local, uma escola pública da zona leste de São Paulo adotou uma nova estratégia: a construção coletiva de mapas.

Desenvolvido na escola municipal Padre Chico Falconi, no Jardim Nazaré, o projeto “Quebrada Maps” une histórias de pessoas que moram no bairro com a tecnologia para trabalhar os conteúdos fora da sala de aula.

Esse novo jeito de ensinar foi implantado pelo professor Wellington Fernandes com o objetivo de  conectar as aulas com a realidade dos estudantes da região que fica entre os distritos de Guaianases e Itaim Paulista. “A ideia é criar a nossa cartografia, representar nossas identidades e falar sobre o território”, conta.

O educador começou o projeto em parceria com Jéssica Cerqueira, em uma escola do Rio Pequeno, na zona oeste. Depois de receber o prêmio do programa Vai Tec (Valorização de Iniciativas Tecnológicas), em 2017, a experiência foi para a zona leste, onde ele atua ao lado da colega Camila Ribeiro.

Professor Wellington Fernandes finaliza os trabalhos com mostra cultural na escola (Sheyla Melo/Agência Mural/Folhapress)

Durante o projeto, os alunos produzem vídeos, criam mapas e divulgam os dados coletados.

Com uma imagem de satélite do bairro, a estudante Gabrielle Santana, 13, mostra os lugares onde todos da sala moram. “São as quebradas da gente, onde vivemos. Pontos interessantes para visitar e os [espaços] mais importantes para nós”, conta apontando para o Parque Chácara das Flores. “É um local especial para mim”.

“Nós mapeamos os lugares onde poderíamos ter aulas. Conheci lugares que nunca tinha ido. Se vierem para a zona leste pela primeira vez, conheçam a Casa de Cultura do Itaim Paulista”, recomenda Jennifer Paiva, 13.

MORADORES

Outro foco do projeto é a coleta de depoimentos, momento em que surgem mapas colaborativos que abordam preconceitos.

Evelyn Miranda, 14, entrevistou as pessoas do bairro para saber o que eles pensam sobre a África. Do tema surgiu uma nuvem de palavras. “Tivemos a ideia de criar um mural com as palavras que mais apareceram. Depois fomos estudar e ver filmes sobre a África. Foi bem interessante”, diz a estudante.

Gabrielle Santana, Jennifer Paiva e Rayssa Santos apresentam no mapa as quebradas do bairro (Sheyla Melo/Agência Mural/Folhapress)

“São as imagens que os entrevistados têm sobre a Africa, muitas delas revelam os estereótipos, depois construímos um contraponto a partir de imagens reais no Google Street View”, comenta o professor.

Já a aluna Thauany Silva, 14, diz que gosta dos dois jeitos de estudar: nas aulas de campo e na sala de aula. Ela analisou as origens das pessoas do seu bairro e concluiu que muitas vem de outro estado para São Paulo, em busca de trabalho.

“Aqui tem muitos moradores que vieram de Pernambuco, Bahia e Minas. Meu pai mesmo é de Alagoas”, conta a adolescente, que já sabe que no futuro será jornalista.

Para o professor essa é uma maneira da turma se conhecer e se apropriar do espaço. “Não apareceu nenhum aluno querendo ser cartógrafo ainda”, afirma. “Mas uma noção sobre o bairro que vivem eles já têm”.

Thauny mostra mapa com regiões em que moradores nasceram (Sheyla Melo/Agência Mural/Folhapress)

Sheyla Melo é correspondente de Guaianases
sheylamelo.mural@gmail.com

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Escadão em Guaianases homenageia moradora antiga https://mural.blogfolha.uol.com.br/2018/01/12/escadao-em-guaianases-homenageia-moradora-antiga/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2018/01/12/escadao-em-guaianases-homenageia-moradora-antiga/#respond Fri, 12 Jan 2018 18:03:35 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2018/01/03-Waldomira-da-Silva-83-é-a-moradora-mais-antiga-da-viela--180x101.jpg http://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=12489 “Eu só não fiz um bolo para os meninos porque estava sem fermento no dia.” É dessa forma que a Waldomira Ferreira da Silva, 83, gostaria de agradecer pela pintura feita no escadão em frente à sua casa, em Guaianases, na zona leste.

As escadas ficam na estrada Nossa Senhora da Fonte. É ali que a aposentada mora há 50 anos, desde que migrou de Alagoas para São Paulo. “Quando cheguei aqui no bairro não tinha nada: nem luz, nem água. Mas de lá pra cá melhorou bastante”, completa a aposentada.

A ideia de colorir os 77 degraus foi de Todyone, nome artístico do grafiteiro João Belmonte, 34. Ele viu no espaço uma oportunidade de colocar em prática os ensinamentos de spray que oferece para alguns meninos do bairro.

Do rascunho até a pintura, o desenho demorou cerca de duas semanas até a sua conclusão. “A ideia era fazer com caquinhos, mas eu achei que dava para fazer com a cara do lugar, que é o grafite. Dá muito orgulho.”, resume Todyone.

Perto da finalização da obra, enquanto as pessoas usavam as escadas para cruzar as ruas, Waldomira parou ao lado dos meninos e elogiou o trabalho. A aposentada disse que lugar precisava de um nome para ser valorizado, já que, segundo ela, estava abandonado.

Dois dias depois da conversa, o local ganhou uma placa metálica artesanal que foi pintada de azul com o nome “Escadaria da Mirinha”, uma homenagem à moradora mais antiga da viela. Além disso, o mato alto foi cortado e o lixo acumulado no local retirado em um mutirão organizado pelos vizinhos.

“Todo mundo que passa aqui fala ‘está ficando importante’, ‘até nas placas você está’, mas eu não fiz nada, não mandei. Os meninos que colocaram. Fiquei feliz”, brinca dona Mirinha, forma como é conhecida no bairro.

Além da pintura em si, uma geladeira foi transformada em biblioteca. A ‘geloteca’ foi colocada na lateral da escada para incentivar a leitura entre as pessoas. Dentro do eletrodoméstico, dezenas de livros estão disponíveis, desde a biografia do bispo Edir Macedo até quadrinhos com desenhos infantis.

O colocador de mármore, José Matheus Duarte, 23, mora em frente à escadaria e diz ter aprovado as mudanças. “Gostei muito. Quem fez está de parabéns”, resumiu, enquanto subia os degraus com a filha Emanuelle Duarte, de 2 meses.

Já para o zelador José Antônio Filho, 52, o desenho ficou bonito, mas além disso, o incentivo à leitura também foi essencial. “Faltam espaços para as crianças ficarem perto de casa. Tinha uma biblioteca aqui perto, mas fechou”, explica.

Até agora, o escadão já recebeu centenas de visitas. “Semana passada vieram uns caras de São Miguel e de Suzano que viram o que a gente fez aqui. Eles gostaram e vieram privilegiar”, relembrou Todyone, que também passou a receber algumas propostas de pinturas depois da repercussão no escadão.

“Os vizinhos são ótimos. Aqui a gente não pode gritar que está com dor de cabeça que você vê a casa encher. Eu me dou muito bem com os vizinhos, por isso, gosto muito daqui. Agora, com a escada no meu nome, ficou mais bonito”, relata, emocionada, a alagoana.

Lucas Veloso é correspondente de Guaianases
lucasveloso.mural@gmail.com

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Cobrador escreve livros inspirados nos passageiros de Guaianases https://mural.blogfolha.uol.com.br/2017/12/15/cobrador-escreve-livros-inspirados-nos-passageiros-de-guaianases/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2017/12/15/cobrador-escreve-livros-inspirados-nos-passageiros-de-guaianases/#comments Fri, 15 Dec 2017 18:16:01 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2017/12/3-180x159.jpg http://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=12402 Tudo que o cobrador Anásio Silva, 51, vê nos ônibus em que trabalha na zona leste, ele tenta transferir para o papel. São alegrias, tristezas, e a rotina dos passageiros que viraram objeto de livros que o autor busca publicar. 

Baiano, ele veio para São Paulo com 19 anos para morar em Guaianases, na zona leste, com esperança de uma vida melhor e de crescimento pessoal. No bairro, ele foi contratado como cobrador, se casou e teve dois filhos.

Inicialmente, Anásio trabalhou na linha Patriarca/Guaianases (2756-10) e agora atua na Jardim Robru (273R-10). Ao total são 23 anos na profissão. Foi nesse  ambiente, de muita gente, trânsito e correria, que ele se descobriu escritor.

“Tudo que escrevi, escrevi no ônibus. Fora eu não consigo, a mulher e os filhos não deixam”, diz Silva.

Ele conta que um motorista o via escrevendo e pediu, no fim da viagem, que ele lesse o trecho da história. “Eu ia ler, no fim da noite, o pedaço que escrevi e os passageiros queriam ficar na frente só para ouvir. Esperavam no dia seguinte o nosso ônibus para saber a continuação da história, alguns que até davam palpites”, conta o escritor.

Anásio afirma que a inspiração para os textos vem das coisas que vê no ônibus, dos acontecimentos políticos e das situações de desigualdades. “Eu sou muito emotivo, acho até que são pesados alguns textos. Infelizmente é a realidade. O que escrevo é muito dedo na ferida”, diz o cobrador.

Outros textos brotam da criatividade, como um fiscal que buscava pretextos para levar animais a um pet shop, para encontrar a dona do comércio, por quem estava apaixonado.

Este e outros contos estão nos livros Do outro lado corre” e “Memórias de cobrador”, que não foram publicadas por falta de recursos financeiros.

No ano passado, ele lançou “Cena Urbana”. A obra esgotou os exemplares, publicados graças ao financiamento do próprio autor. Antes ele já tinha feito o pocket livro “Vim de Longe”, lançado no sarau da Maloca em 2010.

O cobrador também retrata cenas que observa nas pessoas, indo e voltando de tantos destinos no transporte público.

“Deixo para as pessoas uma mensagem de superação para cada dia, passamos por cada coisa e precisamos sair vivos e buscar o sonho da gente”, diz Anásio. “Eu tento buscar o meu.”

Sheyla Melo é correspondente de Guaianases

sheylamelo.mural@gmail.com

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Opinião: Periferias sofrem com mudanças do clima, mas ficam de fora do debate mundial https://mural.blogfolha.uol.com.br/2017/11/22/opiniao-periferias-sofrem-com-mudancas-do-clima-mas-ficam-de-fora-do-debate-mundial/ https://mural.blogfolha.uol.com.br/2017/11/22/opiniao-periferias-sofrem-com-mudancas-do-clima-mas-ficam-de-fora-do-debate-mundial/#respond Wed, 22 Nov 2017 13:50:40 +0000 https://mural.blogfolha.uol.com.br/files/2017/11/a037203a-b52b-49e4-9105-340b977c8051-180x101.jpg http://mural.blogfolha.uol.com.br/?p=12245 Todo ano, começa o verão e as águas das chuvas  invadem comércios e ruas em Guaianases, na zona leste de São Paulo. Desde pequeno, sei que isso vai acontecer no ano seguinte novamente, mesmo com todos os prejuízos das pessoas.

Essa situação e tantas outras, como a questão de moradias em áreas irregulares e a falta de saneamento básico eram temas que esperava ver serem discutidas na COP, conferência climática internacional realizada entre 6 e 17 de novembro, em Bonn, na Alemanha.

Afinal, se chove mais ou menos por causa das mudanças no clima, os reflexos se darão em Guaianases e em tantas outras áreas periféricas pelo mundo.

Imaginava também que as pessoas que sofrem com isso seriam convidadas a debater, para acrescentar outras perspectivas às discussões. Ali parecia o lugar ideal para pensar políticas urbanas que deram certo em outras cidades.

No estande do Brasil, havia a promessa do lugar ser espaço para “divulgação, encontros, seminários e confraternização, com a participação de governos, sociedade civil, academia e setor produtivo”. No entanto, nas nove vezes que fui ali, vi pouquíssimas pessoas da sociedade civil. A programação não falava de enchentes, saneamento básico, moradia e transporte público, coisas tão comuns na vida de quem mora nas bordas da cidade.

Durante os dias que estive lá, conversei com alguns especialistas, que reforçaram a importância de pensar quais políticas devem ser adotadas nos lugares mais vulneráveis do planeta. Um deles foi Gustavo Pinheiro, coordenador de Economia e Política Climática do Instituto do Clima, que afirmou existir uma relação direta entre vulnerabilidade social, condição social e eventos climáticos históricos.

“No Brasil, percebemos que as pessoas que habitam a periferia muitas vezes não tem esgoto, as moradias estão em áreas que não foram oficialmente urbanizadas. Na zona sul de São Paulo, por exemplo, há ocupações em mananciais, mais suscetíveis a enchentes”, diz.

Vital de Oliveira Filho, do projeto Hospitais Saudáveis, reforça a necessidade de incluir os lugares pobres no debate, por estarem mais expostos aos eventos extremos. “A trajetória atual é uma bomba relógio, um desastre anunciado”, avalia .

Em busca de respostas, tentei uma entrevista com o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV). Gostaria de perguntar como ampliar a coleta seletiva de lixo nas favelas, uma vez que em algumas áreas não são atendidas de forma adequada nem pela coleta regular ou como o governo federal vê a relação entre meio ambiente e desigualdade social, entre outras questões

No entanto, recebi o retorno de que minhas perguntas estavam muito “genéricas e que fugiam um pouco da área tratada pelo MMA”.

Este caso é um exemplo de como é preciso que os governos reconheçam as maiores vítimas das tragédias ambientais e assim, as incluam no debate sobre as mudanças climáticas. A COP também é conhecida como a Conferência das Partes e precisa perceber que uma parte do mundo não foi incluída na discussão.

Lucas Veloso é correspondente de Guaianases
lucasveloso.mural@gmail.com

O repórter da Agência Mural viajou a convite do Climate Journalism e do ICS (Instituto Clima e Sociedade), como parte de um projeto para incentivar a produção de jovens jornalistas sobre temas relacionados às mudanças climáticas e a mobilidade urbana.
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