O Belas Artes renasceu; no meu bairro, o cinema nasce quando?
Ser cinéfilo e morar na periferia é uma combinação que requer muita disposição e amor à sétima arte. No último sábado (19), eu era mais uma entre os mais de 2.000 espectadores que aguardavam o triunfal retorno do Belas Artes, na Consolação. Aproveitei e fiz questão de assistir ao saudoso filme Medos Privados em Lugares Públicos, do diretor Alain Resnais, no horário das 22h.
Fim de sessão, volto pra minha casa em Taipas, na zona norte de São Paulo. Já era 0h10, mas consigo pegar o metrô na Paulista. Faço baldeação, pego a linha 3-vermelha, desço na estação Marechal. De lá, tomo um ônibus rumo à Lapa. Da Lapa, até Pirituba. E, no terminal, vejo que o meu coletivo só volta a passar 5h45.
Por sorte, encontro um taxista que, diferente dos demais que consideram o meu bairro “longe demais” ou “perigoso”, não recusa a corrida e me deixa em casa. Finalmente chego, por volta de 1h40.
Mais uma noite como outra qualquer. Para acompanhar a exibição de mostras ou festivais de cinema “cult”, preciso partir do extremo noroeste rumo à Vila Mariana, Jardins, Belém ou Pinheiros, regiões nobres da cidade, em trajetos de 2h, em média.
Em tese, não há cinema no meu bairro. Segundo o portal da Rede Nossa São Paulo, as regiões de Jaraguá, Perus, Cachoeirinha e Brasilândia não possuem, desde 2006, (ano de início das pesquisas) nenhum equipamento do tipo, enquanto Sé, Pinheiros e Vila Mariana têm, juntas, mais de 35%.
Contudo, na prática, temos cinema sim. O CEU Perus, por exemplo, conta com uma boa sala de projeção, mas a última mostra que tivemos notícia ocorreu em fevereiro. Quase seis meses atrás.
Já na Cachoeirinha, também na zona norte, temos o Centro Cultural da Juventude (CCJ), que, pela primeira vez, exibirá parte do Festival de Cinema Latino Americano. O evento começa amanhã (24).
É um cenário otimista em relação ao ano passado. Na época, assisti a exibição de um documentário em uma TV de 42 polegadas, acompanhada de cinco pessoas.
No mais, conto com o “cinema de shopping” na Lapa – e, em cartaz, blockbusters, filmes de ação, de super heróis ou besteróis americanos. A iniciativa privada, pelo visto, considera que o jovem da periferia só gosta de filmes do gênero.
A impressão é que vivemos num círculo vicioso. Enquanto a iniciativa pública ou privada não se dispõe a fomentar os já existentes equipamentos com exibição de mostras e com frequência regular, nunca teremos uma boa concentração de apaixonados pelo (bom) cinema em nossos bairros.
Enquanto isso não ocorre, podemos nos cruzar nos cinemas da zona sul. No último caso, você pode me acompanhar no trajeto para casa e podemos comentar sobre o filme assistido.
Jéssica Costa, 23, é correspondente de Taipas
@eujessicacosta
jessicacosta.mural@gmail.com
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Artigo ridículo. O “cinema de shopping” é o mesmo que garante a sobrevivência da indústria cinematográfica. No passado, não existia shopping, mas os cinemas mostravam o mesmo que a autora chama de besteiróis. Nunca houve um circuito de “cinema de arte”. A iniciativa privada considera que o público só gosta de “besteiras” porque de fato só gosta disso. Quem quer filme de arte pode ir numa locadora ou baixar pela internet. Se existisse toda essa demanda na periferia por cinema de “qualidade”, certamente a iniciativa privada, que se move pelo lucro, já teria instalado salas. A autora vive num mundo fora da realidade, pois quem gosta da sétima arte possui inúmeras alternativas. Hoje criar um “cine-clube”, com uso de arquivos da internet projetados numa TV de tela grande é relativamente barato. Mas, no Brasil, o mais fácil é reclamar, falar mal do governo, da iniciativa privado, do taxista, etc. Agir que é bom, tomar a iniciativa, nada.
Oi Paulo. Obrigada pelo seu comentário! Porém acho bom pontuar alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar, sei que a solução não é acabar com o cinema de shopping – pelo contrário, gosto e frequento! Mas não gostaria de tê-los como única opção, enquanto outros bairros contam com uma gama de cinemas e festivais. Em segundo lugar, “besteirol” não foi citado como um adjetivo, é sim um gênero dado a filmes de comédia americano.
No mais, também concordo que é muito fácil nos tempos de hoje criar um cineclube nas periferias. Por isso não concordo que basta não sairmos de casa e baixarmos filmes na internet – queremos reunir amigos, interessados no tema, semear discussões e ideias. Por isso “agi” e “tomei a iniciativa”, escrevendo esse texto. 🙂 Obrigada e continue acompanhando o blog!
Também resido aqui na Zona Norte, no bairro do Jaçanã. Sentimos essa exclusão na pele e muitas vezes deixamos de ir por estar sem dinheiro ou tempo de chegar até a Zona Sul.